ALEGORIA

No seu primeiro significado específico, essa
palavra indica um modo de interpretar as Sagradas
Escrituras e de descobrir, além das coisas,
dos fatos e das pessoas de que elas tratam,
verdades permanentes de natureza religiosa ou
moral. A primeira aplicação importante do
método alegórico é o comentário ao Gêneses
de Fílon de Alexandria (séc. I). Fílon não hesita
em contrapor o sentido alegórico ao sentido
literal e em qualificar de "tolo" (eür|0r|c;) este
último. Eis um exemplo: '"E Deus acabou no
sétimo dia as obras que Ele criou' (Gên., II, 2).
É absolutamente tolo crer que o mundo nasceu
em seis dias ou, em geral, no tempo. Por quê?
Porque todo tempo é um conjunto de dias e de
noites necessariamente produzidos pelo movimento
do sol que vai para cima e para baixo da
terra; mas o sol é uma parte do céu, de tal
modo que se conclui que o tempo é mais recente
do que o mundo" (AH. leg., I, 2). Por sua
vez, Orígenes, que é o primeiro autor de um
grande sistema de filosofia cristã, distinguia nos
textos bíblicos três significados: o somático, o
psíquico e o espiritual, que estão entre si como
as três partes do homem: o corpo, a alma e o
espírito (Deprinc, IV, 11). Na prática, porém,
contrapunha o significado espiritual ou alegórico
ao corpóreo ou literal e sacrificava decididamente
este último em favor do primeiro, já que
só o significado alegórico constitui a verdade racional contida nas Sagradas Escrituras (ibid., IV, 2). Em seguida, tornou-se dominante na Idade Média a distinção de três significados da
Escritura (como se encontra, por exemplo, formulada
por Hugo de S. Vítor, Descripturis, III):
significado literal, significado alegórico e significado
anagógico. Eis como Dante expõe a
doutrina: "As escrituras podem ser entendidas
e devem ser expostas sobretudo em quatro
sentidos. Um chama-se literale é o que não vai
além da própria letra; o outro chama-se alegórico
e é o que se esconde sob o manto das
fábulas, sendo a verdade oculta sob belas mentiras...
O terceiro sentido chama-se moral, e é
o que os leitores devem atentamente ir descobrindo
nas escrituras para utilidade sua e de
seus discípulos... O quarto sentido chama-se
anagógico, isto é, supra-sentido; e aparece
quando se expõe espiritualmente uma escritura
que, embora seja verdadeira também no sentido
literal, pelas coisas significadas significa
coisas supremas da eterna glória: como se pode
ver naquele canto do Profeta que diz que, com
a saída do povo de Israel do Egito, a Judéia
tornou-se santa e livre. O que, embora seja
verdadeiro segundo a letra manifesta, não menos
verdadeiro é o que se entende espiritualmente,
isto é, que na saída da alma do pecado,
ela se torna santa e livre em sua potestade"
(OBanq., II, 1). Mas entre esses sentidos, como
diz o próprio Dante, o fundamental, para o
teólogo como para o poeta, é o alegórico. E, de
fato, na Idade Média a A. tornou-se o modo de
entender a função da arte e, especialmente, da
poesia. João de Salisbury dizia que Virgílio, "sob
a imagem das fábulas, exprime a verdade de
toda a filosofia" e que Dante (Vita nuova, 25)
definia assim a tarefa do poeta: "Vergonha seria
para aquele que rimasse coisas sob as veste de
figura ou de cor retórica, e depois, interrogado,
não soubesse desnudar as suas palavras de
tal veste, de modo que tivessem real entedimento".

No mundo moderno a A. perdeu valor e
negou-se que ela possa exprimir a natureza ou
a função da poesia. Viu-se nela a aproximação
de dois fatos espirituais diferentes, o conceito
de um lado, a imagem de outro entre os quais
ela estabeleceria uma correlação convencional
e arbitrária (Croce); e sobretudo, foi acusada de
negligenciar ou impossibilitar a autonomia da
linguagem poética, que não teria vida própria
porque estaria subordinada às exigências do
esquema conceituai a que deveria dar corpo. Boa parte da estética moderna declara, por
isso, que a A. é fria, pobre e enfadonha; e insiste
na interpretação da poesia e, em geral, da
arte, com base no símbolo (v.), que pode ser
vivo e evocador, porque a imagem simbólica é
autônoma e tem interesse em si mesma, isto é,
um interesse que não transforma sua referência
convencional em conceito ou doutrina. Todavia,
se levarmos em conta a potencialidade e
a vitalidade de certas obras de arte que têm
clara estrutura alegórica (p. ex., Divina comédia
e muitas pinturas medievais e renascentistas),
deveremos dizer que a A. não impossibilita,
necessariamente, a autonomia e a leveza da
imagem estética e que, em certos casos, mesmo
a correspondência pontual entre imagem e
conceito pode não ser mortificante para a imagem
nem lhe tolher a vitalidade artística ou
poética. T. S. Eliot fez, justamente a propósito
de Dante, uma defesa da A. nesse sentido

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