Divindades do Mar e das Águas

O Oceano

Para os antigos o Oceano primitivamente é um rio imenso que envolve o mundo terrestre. Na Mitologia é o primeiro deus das águas, filho de Urano ou do Céu e de Gaia, a Terra; é o pai de todos os seres. Homero diz que os deuses eram originários do Oceano e de Tétis. Conta o mesmo poeta que os deuses iam muitas vezes à Etiópia visitar o Oceano e tomar parte nas festas e sacrifícios que ali se celebravam. Conta-se enfim que Juno, desde o seu nascimento, foi por sua mãe Réia confiada aos cuidados de Oceano e de Tétis, para livrá-la da cruel voracidade de Saturno.

O Oceano é pois tão antigo como o mundo. Por isso representam-no sob a forma de um velho, sentado sobre as ondas, com uma lança na mão e um monstro marinho ao seu lado. Esse velho segura uma urna e despeja água, símbolo do mar, dos rios e das fontes.

Como sacrifício ofereciam-lhe geralmente grandes vítimas, e antes das expedições difíceis, faziam-se-lhe libações. Era não somente venerado pelos homens, mas também pelos deuses. Nas Geórgicas de Virgílio, a ninfa Cirene, ao palácio do Peneu, na fonte desse rio, oferece um sacrifício ao Oceano; três vezes seguidas, ela deita o vinho sobre o fogo do altar, e três vezes a chama ressalta até a abóbada do palácio, presságio tranqüilizador para a ninfa e seu filho Aristeu.

 

Tetis e as Oceânidas

Tetis, filha do Céu e da Terra, casou com o Oceano, seu irmão, e foi mãe de três mil ninfas chamadas Oceânidas. Dão-lhe ainda como filhos, não somente os rios e as fontes, mas também Proteu, Etra, mãe de Atlas, Persa, mãe de Circeu, etc. Conta-se que Júpiter, tendo sido amarrado e preso pelos outros deuses, Tetis pô-lo em liberdade, com auxílio do gigante Egeon.

Ela se chamava Tetis, palavra que em grego significa "ama, nutriz", sem dúvida porque é a deusa da água, matéria-prima que, segundo uma crença antiga, entra na formação de todos os corpos.

O carro dessa deusa é uma concha de maravilhosa forma e de uma brancura de marfim nacarado. Quando percorre o seu império, esse carro, tirado por cavalos-marinhos mais brancos do que a neve, parece voar, à superfície das águas. Ao redor dela, os delfins, brincando, saltam no mar; Tetis é acompanhada pelos Tritões que tocam trombeta com as suas conchas recurvas, e pelas Oceânidas coroadas de flores, e cuja cabeleira esvoaça pelas espáduas, ao capricho dos ventos.

Tetis, deusa do mar, esposa de Oceano, não deve ser confundida com Tetis, filha de Nereu e mãe de Aquiles.

 

Netuno (Poseidon)

Netuno ou Poseidon, filho de Saturno e de Réia, era irmão de Júpiter e de Plutão. Logo que nasceu, Réia o escondeu em um aprisco da Arcádia, e fez Saturno acreditar ter ela dado à luz a um potro que lhe deu para devorar. Na partilha que os três irmãos fizeram do Universo ele teve por quinhão o mar, as ilhas, e todas as ribeiras.

Quando Júpiter, seu irmão, a quem sempre serviu com toda a fidelidade, venceu os Titãs, seus terríveis competidores, Netuno encarcerou-os no Inferno, impedindo-os de tentar novas empresas. Ele os mantém por trás do recinto inexpugnável formado por suas ondas e rochedos.

Netuno governa o seu império com uma calma imperturbável. Do fundo do mar em que está sua tranqüila morada, sabe tudo quanto se passa na superfície das ondas. Se por acaso os ventos impetuosos espalham inconsideradamente as vagas sobre as praias, causando injustos naufrágios, Netuno aparece, e com a sua nobre serenidade faz reentrar as águas no seu leito, abre canais através dos baixios, levanta com o tridente os navios presos nos rochedos ou encalhados nos bancos de areia, - em uma palavra, restabelece toda a desordem das tempestades.

Teve como mulher Anfitrite, filha de Doris e de Nereu. Essa ninfa recusara antes desposar Netuno, e se escondeu para esquivar-se às suas perseguições. Mas um delfim, encarregado dos interesses de Netuno, encontrou-a ao pé do monte Atlas, e persuadiu-a que devia aceitar o pedido do deus; como recompensa foi colocada entre os astros. De Netuno ela teve um filho chamado Tritão, e muitas ninfas marinhas; diz-se também que foi a mãe dos Ciclopes.

O ruído do mar, a sua profundidade misteriosa, o seu poder, a severidade de Netuno que abala o mundo, quando com o tridente ergue os enormes rochedos, inspiram à humanidade um sentimento mais de receio do que de simpatia e amor. O deus parecia dar por isso, todas as vezes que se apaixonava de uma divindade ou de um simples mortal. Recorria então à metamorfose; mas mesmo assim, na maior parte das vezes, conservava o seu caráter de força e impetuosidade.

Representam-no mudado em touro, nos seus amores com a filha de Éolo; sob a forma de rio Enipeu, quando fazia Ifiomédia mãe de Ifialto e de Oto; sob a de um carneiro, para seduzir Bisaltis, como cavalo para enganar Ceres, enfim, como um grande pássaro nos amores com Medusa, e como um delfim quando se apaixonou por Melanto.

A sua famosa discórdia com Minerva, por causa da posse de Ática, é uma alegoria transparente em que os doze grandes deuses, tomados como árbitros, indicam a Atenas os seus destinos. Esse deus teve ainda uma desavença com Juno por causa de Micenas e com o Sol por causa de Corinto.

Quer a fábula de Netuno, expulso do céu com Apolo, por haver conspirado contra Júpiter, tenha construído as muralhas de Tróia, e que defraudado no seu salário, se tenha vingado da perfídia de Laomedonte destruindo os muros da cidade.

Netuno era um dos deuses mais venerados na Grécia e na Itália, onde possuía grande número de templos, sobretudo nas vizinhanças do mar; tinha também as suas festas e os seus espetáculos solenes, sendo que os do istmo de Corinto e os do Circo de Roma eram-lhe especialmente consagrados sob o nome de Hípio. Independente das Saturnais, festas que se celebravam no mês de julho, os romanos consagravam a Netuno todo o mês de fevereiro.

Perto do istmo de Corinto, Netuno e Anfitrite tinham as suas estátuas no mesmo templo, não longe uma da outra; a de Netuno era de bronze e media doze pés e meio de altura. Na ilha de Tenos, uma das Ciclades, tinha Anfitrite uma estátua colossal da altura de nove cúbitos. O deus do mar tinha sob a sua proteção os cavalos e os navegantes. Além das vítimas ordinárias e das libações em sua honra, os arúspices ofereciam-lhe particularmente o fel da vítima porque o amargor convinha às águas do mar.

Netuno é geralmente representado nu, com uma longa barba, e o tridente na mão, ora sentado, ora em pé sobre as ondas; muitas vezes; em um carro tirado por dois ou quatro cavalos, comuns ou marinhos, cuja parte inferior do corpo termina em cauda de peixe.

 

Proteu

Proteu, deus marinho, era filho de Oceano e de Tetis ou, segundo uma outra tradição, de Netuno e de Fênice. Segundo os gregos, a sua pátria é Palene, cidade da Macedônia. Dois dos seus filhos, Tmolos e Telégono, eram gigantes, monstros de crueldade. Não tendo podido chamá-los ao sentimento da humanidade, tomou o partido de retirar-se para o Egito, com o socorro de Netuno, que lhe abriu uma passagem sob o mar. Também teve filhas, entre as quais as ninfas Eidotéia, que apareceu a Menelau, quando voltando de Tróia esse herói foi levado por ventos contrários aobre a costa do Egito, e lhe ensinou o que devia fazer para saber de Proteu os meios de regressar à pátria.

Proteu guardava os rebanhos de Netuno, isto é, grandes peixes e focas. Para o recompensar dos trabalhos que com isso tinha. Netuno deu-lhe o conhecimento do passado, do presente e do futuro. Mas não era fácil abordá-lo, e ele se recusava a todos que vinham consultá-lo.

Eidotéia disse a Menelau que, para decidi-lo a falar, era preciso surpreendê-lo durante o sono, e amarrá-lo de maneira que não pudesse escapar, pois ele tomava todas as formas para espantar os que se aproximavam: a de leão, dragão, leopardo, javali; algumas vezes se metamorfoseava em árvore, em água e mesmo em fogo; mas se se perseverava em conservá-lo bem ligado, retomava a primitiva forma e respondia a todas as perguntas que se lhe fizessem.

Menelau seguiu ponto por ponto as instruções da ninfa. Com três dos seus companheiros, entrou de manhã, nas grutas em que Proteu costumava ir ao meio-dia descansar, juntamente com os rebanhos. Apenas Proteu fechou os olhos e tomou uma posição cômoda para dormir. Menelau e os seus três companheiros se atiraram sobre ele e o apertaram fortemente entre os braços. Era inútil metamorfosear-se: a cada forma que tomava, apertavam-no com mais força. Quando enfim esgotou todas as suas astúcias Proteu voltou à forma ordinária, e deu a Menelau os esclarecimentos que este pedia.

No quarto livro das Geórgicas, Virgílio, imitando Homero, conta que o pastor Aristeu, depois de haver perdido todas as suas abelhas, foi a conselho de Cirene, sua mãe, consultar Proteu sobre os meios de reparar os enxames, e para lhe falar, recorreu aos mesmos artifícios.

 

As Sereias

Quando, por uma noite calma de primavera ou de outono, o marinheiro deixa vogar docemente o barco perto das margens, nas paragens semeadas de rochedos ou de escolhos, ouve ao longe, no marulho das ondas, o gorjeio das aves marinhas. Esse gorjeio, entrecortado, às vezes, por gritos estridentes e zombeteiros, sobe aos ares e passa invisível com um estranho síbilo de asas, por cima da cabeça do marinheiro atento, dando-lhe a ilusão de um concerto de vozes humanas. A sua imaginação então lhe representa grupos de mulheres ou de raparigas que se divertem e procuram desviá-lo do seu caminho. Desgraçado dele se se aproxima do lugar em que a voz parece mais clara, isto é, dos rochedos à flor d'água onde, para as aves marinhas, a pesca é frutuosa; infalivelmente o seu barco se quebrará e se perderá entre os escolhos.

Tal é, sem dúvida, a origem da fábula das Sereias; mas a imaginação dos poetas criou-lhes uma lenda maravilhosa.

Elas eram filhas do rio Aqueló e da musa Calíope. Ordinariamente contam-se três: Parténope, Leucósia e Lígea, nomes gregos que evocam as idéias de candura, de brancura e de harmonia. Outros dão-lhes os nomes de Aglaufone, Telxieme e Pisinoe, denominações que exprimem a doçura da sua voz e o encanto das suas palavras.

Conta-se que no tempo do rapto de Prosérpina, as Sereias foram à terra de Apolo, isto é, a Sicília, e que Ceres, para puni-las por não haverem socorrido a sua filha, mudou-as em aves.

Ovídio, ao contrário, diz que as Sereias, desoladas com o rapto de Prosérpina, pediram aos deuses que lhes dessem asas para que fossem procurar a sua jovem companheira por toda a terra. Habitavam rochedos escarpados sobre as margens do mar, entre a ilha de Capri e a costa de Itália.

O oráculo predissera às Sereias que elas viveriam tanto tempo quanto pudessem deter os navegantes à sua passagem; mas desde que um só passasse sem para sempre ficar preso ao encanto das suas vozes e das suas palavras, elas morreriam. Por isso essas feiticeiras, sempre em vigília, não deixavam de deter pela sua harmonia todos os que chegavam perto delas e que cometiam a imprudência de escutar os seus cantos. Elas tão bem os encantavam e os seduziam que eles não pensavam mais no seu país, na sua família, em si mesmos; esqueciam de beber e de comer, e morriam por falta de alimento. A costa vizinha estava toda branca dos ossos daqueles que assim haviam perecido.

Entretanto, quando os Argonautas passaram nas suas paragens, elas fizeram vãos esforços para atraí-los. Orfeu, que estava embarcado no navio, tomou a sua lira e as encantou a tal ponto que elas emudeceram e atiraram os instrumentos ao mar.

Ulisses, obrigado a passar com o seu navio adiante das Sereias, mas advertido por Circe, tapou com cera as orelhas de todos os seus companheiros, e se fez amarrar, de pés e mãos, a um mastro. Além disso, proibiu que o desligassem se, por acaso, ouvindo a voz da Sereias, ele exprimisse o desejo de parar. Não foram inúteis essas precauções. Ulisses, mal ouviu as suas doces palavras e as suas promessas sedutoras, apesar do aviso que recebera e da certeza de morrer, deu ordem aos companheiros que o soltassem, o que felizmente eles não fizeram. As Sereias, não tendo podido deter Ulisses, precipitaram-se no mar, e as pequenas ilhas rochosas que habitavam, defronte do promontório da Lucárnia foram chamadas Sirenusas.

As Sereias são representadas ora com cabeça de mulher e corpo de pássaro, ora com todo o busto feminino e a forma de ave, da cintura até os pés. Nas mãos têm instrumentos: uma empunha uma lira, outra duas flautas, e a terceira gaitas campestres ou um rolo de música, como para cantar. Também pintam-nas com um espelho. Não há nem um autor antigo que nos tenha representado as Sereias como mulheres-peixe. Como muita gente atualmente as representam.

Pausânias conta ainda uma fábula sobre as Sereias: "As filhas de Aqueló, diz ele, encorajadas por Juno, pretenderam a glória de cantar melhor do que as Musas, e ousaram fazer-lhes um desafio, mas as Musas, tendo-as vencido, arrancaram-lhes as penas das asas, e com elas fizeram coroas." Com efeito, existem antigos monumentos que representam as Musas com uma pena na cabeça. Apesar de temíveis ou perigosas, as Sereias não deixaram de participar das honras divinas; tinham um templo perto de Sorrento.

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