Minerva

Nascimento de Minerva

Métis, a reflexão personificada, fora a primeira esposa de Júpiter. Foi ela que deu ao velho Saturno uma beberagem para obrigá-lo a devolver os jovens deuses que ele havia engolido. Estando grávida, predisse a Júpiter que teria em primeiro lugar uma filha e, em seguida, um filho que se tornaria senhor do céu. O rei dos deuses, espantado com tal profecia, engoliu Métis. Algum tempo depois, foi acometido de violentíssima dor de cabeça e rogou a Vulcano que lhe fendesse a cabeça com o machado.

Mal recebeu o golpe de machado de Vulcano, saiu-lhe do cérebro, armada de todas as suas peças, a filha Minerva, nova encarnação da sabedoria divina. Essa lenda, de caráter assaz bárbaro e, por conseguinte, velhíssima, está representada de maneira ingênua num baixo-relevo onde, extraordinariamente, Vulcano é um rapaz imberbe.

Num espelho etrusco vemos Ilitia, a deusa dos partos assistindo ao rei dos deuses e tirando-lhe da cabeça Minerva, que sai armada do capacete e da lança. No outro lado está Vênus que também parece acorrer em auxílio a Júpiter e atrás da qual vemos, empoleirada numa árvore, a pomba que lhe é consagrada. Tais divindades trazem os seus nomes no espelho em língua etrusca.

O mesmo tema decorava um dos frontões do Partenão, mas é provável que o nascimento estivesse ali concebido de maneira inteiramente diversa. Infelizmente, nada resta da parte central do frontão em que tal cena estava representada.

Júpiter é a abóbada do céu donde jorra o raio luminoso e súbito; como é também o senhor dos deuses, a sua sabedoria não vacila absolutamente em lhe brotar do cérebro divino. Minerva devia, pois, nascer inteiramente armada e provida de todos os seus atributos. É assim que no-la apresentam as estátuas, muitas vezes com a lança e o escudo, mas sempre com o capacete e a égide.

Luciano narrou o nascimento de Minerva sob forma de diálogo:

"Vulcano. - Que devo fazer, Júpiter? Venho, por ordem tua, armado de um machado afiadíssimo e que, se houvesse necessidade, seria capaz de partir, de um só golpe, a mais dura das pedras.

Júpiter. - Ótimo, Vulcano! Parte-me, pois, a cabeça.

Vulcano. - Queres submeter-me a uma prova, ou estás louco? Dá-me uma ordem séria, dize o que queres que eu faça!

Júpiter. - Já te disse, parte-me a cabeça; bate com toda a força e sem demora; não posso viver com as dores que me dilaceram o cérebro.

Vulcano. - Acautela-te, Júpiter. Quem sabe se não vamos cometer uma asneira? O meu machado é afiadíssimo, fará com que te corra o sangue e não te libertará à guisa de Lucina.

Júpiter. - Bate, vamos, Vulcano! Nada temas. Sei o que quero.

Vulcano. - Bato, mas contra a vontade. Que me resta, se assim me ordenas?... Que estou vendo? Uma jovem armada da cabeça aos pés! Safa, que dor de cabeça não devia ser a tua, Júpiter! Não é de assombrar que te hajas mostrado irascível, se trazias viva, sob a membrana do teu cérebro, uma jovem desta estatura, e, ainda por cima, armada. Não sabíamos que tinhas na cabeça um verdadeiro campo. Olha, ela salta! Ei-la que dança a pírrica, agita o escudo, brande a lança, e está dominada pelo entusiasmo. O que é mais estranho é que, de súbito, se tornou belíssima e pronta para casar. É verdade que tem olhos cinzentos, mas o capacete compensa esse defeito. Júpiter, como pagamento pelo serviço que te prestei, cede-ma por esposa.

Júpiter. - Tu me pedes o impossível, Vulcano; ela quer permanecer virgem para sempre. Quanto a mim, não me oponho ao que desejas.

Vulcano. - É o que quero. O resto fica por minha conta. Vou levá-la." (Luciano).

 

Nascimento de Erecteu

Vulcano pôs-se imediatamente a procurar Minerva, e, certo de que ela estivesse na Acrópole, rumou para Atenas. Mal a percebeu, colocou-se-lhe na frente e quis dar os passos necessários. Mas a deusa o recebeu de maneira tal que lhe tirou qualquer desejo de recomeçar. O pobre ferreiro ficou despeitadíssimo; para mostrar que saberia dispensá-la, resolveu contrair núpcias no mesmo instante, e dirigiu-se à Terra, boníssima criatura, que o aceitou apesar das mãos negras. Dessa união nasceu Erecteu, que mais tarde se tornou rei de Atenas. O que deu origem a tão singular lenda foi a fato de os atenienses, já colocados sob a proteção de Minerva, quererem, por um laço qualquer, prender-se ao deus do fogo, que preside à indústrias dos metais.

A Terra, mal gerou Erecteu, deixou o recém-nascido no chão, sem mais com ele preocupar-se, como se fosse uma simples cobra ou um verme. Minerva, percebendo-o, compadeceu-se e, pegando-o, pô-lo num cesto e levou-o para o seu santuário. Mas, apesar de todo o seu bom coração, não conseguia livrar-se das preocupações guerreiras, e, estando a galgar a Acrópole levando o cesto, notou que a sua cidade não estava bastante fortificada do lado do Ocidente. Entrou na casa de Cécrops, que tinha três filhas, Pandrosa, Aglaura e Herse, e, confiando-lhes o cesto, muito bem fechado, proibiu-lhes que o abrissem para verificar o conteúdo, e imediatamente partiu em busca de uma montanha que julgava necessária para a fortificação da cidade. Quando partiu, Aglaura e Herse, impelidas pela curiosidade, pretenderam abrir o cesto, não obstante as censuras de Pandrosa. Mas uma gralha, que tudo vira, foi contar o fato a Minerva, que já segurava a montanha entre os braços e que fortemente surpresa, a deixou cair. Eis aí a origem do monte Licabeto.

 

Pandrosa

A deusa concebeu tal afeto por Pandrosa, que não somente lhe confiou a educação do pequenino protegido, como também exigiu que Pandrosa, após a morte, recebesse as honras divinas. Quando Erecteu se tornou rei de Atenas, apressou-se em satisfazer tal desejo, mas, associando no seu reconhecimento a filha de Cécrops e a deusa que o recolhera, elevou um templo em duas partes, uma das quais foi dedicada a Minerva e outra a Pandrosa. A construção foi queimada pelos persas, como todos os monumentos de Atenas, e o que hoje existe foi erguido após as guerras médicas.

 

Disputa de Minerva e Netuno

Atenas tira o seu nome de Atena (nome grego de Minerva) mas a honra de dar o nome à cidade que Cécrops acabava de fundar deu origem a uma famosa disputa entre Netuno e a deusa. Constituía ela o tema de um dos dois frontões do Partenão, esculpidos por Fídias e cujos fragmentos mutilados fazem hoje parte do Britsh Museum em Londres.

Era preciso pôr a nova cidade sob a proteção de uma divindade. Decidiu-se que se tomaria por protetor da cidade o deus que produzisse a coisa mais útil. Netuno, batendo a terra com o tridente, criou o cavalo e fez jorrar uma fonte de água do mar, querendo com isso dizer que o seu povo seria navegador e guerreiro. Mas Minerva domou o cavalo para o transformar em animal doméstico, e, batendo a terra com a ponta da lança, fez surgir uma oliveira carregada de frutos, pretendendo com aquilo mostrar que o seu povo seria grande pela agricultura e pela indústria.

Cécrops, embaraçado, consultou o povo, para saber a que deus preferia entregar-se. Contudo, não se tendo naqueles tempos tão remotos imaginado que as mulheres não pudessem tão bem quanto os homens exercer direitos políticos, todos votaram. Ora, sucedeu votarem todos os homens por Netuno e todas as mulheres por Minerva; mas como entre os colonos que acompanhavam Cécrops, houvesse uma mulher mais, Minerva raptou-a. Netuno protestou contra essa maneira de julgar a divergência, e apelou para o tribunal dos doze grande deuses. Estes chamaram Cécrops como testemunha, e tendo sido a votação considerada regular, passou a cidade a ser consagrada a Minerva. Os atenienses, no entanto, temendo a cólera de Netuno que já ameaçara engoli-los, ergueram na Acrópole um altar ao Olvido, monumento de reconciliação de Netuno e Minerva; em seguida, Netuno participou das honras da deusa. Eis como os atenienses se tornaram um povo navegador e ao mesmo tempo agrícola e manufatureiro.

Minerva era para os atenienses a deusa por excelência e a Acrópole a montanha santa. A Acrópole figura numa moeda de Atenas, assaz grosseira, aliás. Não se vêem nela representações de edifícios, mas somente dominar a grande Minerva de bronze, que os navegantes saudavam de longe, como protetora da cidade. A confiança inspirada por Minerva só desapareceu com a influência cristã, e um dos derradeiros historiadores pagãos, Zózimo, narra de que maneira se apresentou a deusa pela última vez. "Alarico, diz ele, impaciente por se apoderar de Atenas, não quis entreter-se com outro assédio. Apressou-se, pois, em ir a Atenas na esperança de tomá-la, quer por ser dificílimo defender a grande extensão das suas muralhas, quer por estar ele já de posse do Pireu e por haver pouquíssimas provisões na cidade. Eis a esperança nutrida por Alarico. Mas a cidade tão antiga seria conservada pela providência dos deuses no meio de tão terrível perigo. A maneira pela qual ela foi protegida é demasiadamente milagrosa e demasiadamente capaz de inspirar sentimentos de piedade, para que a silenciemos. Quando Alarico se aproximou das muralhas à testa do seu exército, viu Minerva, tal qual surge nas imagens, dar a volta à cidade, e Aquiles tal qual o descreve Homero apareceu no alto das muralhas. Alarico, estarrecido com o espetáculo, tratou de fazer a paz e abandonou a luta." (Zózimo).

 

Tipo e Atributos de Minerva

"A partir do dia, diz Ottfried Muller, em que Fídias terminou de desenhar o caráter ideal de Minerva-atena, uma fisionomia cheia de calma, uma força que tem consciência de si própria, um espírito claro e lúcido, passaram a ser para sempre os principais traços do caráter de Palas. A sua virgindade a coloca acima de todas as fraquezas humanas; ela é demasiadamente viril para se entregar a um homem. A testa muito pura, o nariz longo e fino, a linha um pouco dura da boca e das faces, o queixo largo e quase quadrado, os olhos pouco abertos e quase constantemente voltados para a terra, a cabeleira atirada, sem arte, para cada lado da testa e ondulada sobre a nuca, traços nos quais transparece a rudeza primitiva, correspondem perfeitamente a tão maravilhosa criação ideal."

Minerva se identifica completamente com a cidade que ela protege, e se por duas vezes usa cavalos no capacete é para mostrar a sua reconciliação com Netuno a quem era consagrado o cavalo, e que, como deus dos mares, não podia deixar de ter grande importância em Atenas. É o que vemos num medalhão antigo no qual a cidade de Roma personificada se liga à de Atenas (Palas-atena). As duas ilustres cidades se caracterizam pelos seus atributos: a loba com os dois filhos é o atributo comum de Roma, como a coruja é o habitual atributo de Atenas. A deusa ateniense traz a égide com a cabeça de Górgona, e quatro cavalos lhe ornam o capacete.

Os cavalos aparecem igualmente num soberbo entalhe antigo. A pena do capacete é suportada por uma esfinge e dois corcéis alados ou pégasos: a parte da frente está ornada de quatro cavalos e o cobre-orelha de um grifo. Os enfeites da deusa são luxuosos; além da égide de escamas bordadas de serpentes, traz ela um colar de bolotas, e brincos em forma de cachos de uvas.

Às vezes, como na medalha de Thurium, não é nem o cavalo, nem o grito que ornam o capacete de Minerva, mas uma Cila ou um monstro fantástico com cauda de serpente.

A deusa usa sempre um capacete, até quando desempenha um papel pacífico. O capacete tem, às vezes, asas para indicar o caráter aéreo de Palas. Vemo-lo, quanto ao resto, sob formas extremamente variadas, em moedas gregas ou romanas.

A coruja, a ave que vê bem durante a noite, é naturalmente consagrada a Minerva, deusa que personifica simultaneamente o raio e a inteligência. Nas mais antigas moedas de Atenas se nos depara a coruja, símbolo de uma vigilância constantemente alerta.

Como deusa guerreira, Minerva combate com a lança. No entanto, uma medalha da Macedônia, imitação de antiga figura arcaica, no-la apresenta com o raio de Júpiter. A vitória está freqüentemente na mão da deusa. É assim que ela aparece numa bela moeda do Lisímaco.

A arte dos tempos primitivos preferia a imagem de Palas às das outras divindades; os antigos paládios representavam ordinariamente a deusa com o escudo erguido, e brandindo a lança. Entretanto, essa forma varia muito, até nos próprios tempos primitivos, e Minerva se reveste de diferentes aspectos, segundo as localidades.

Uma medalha da Nova Ílion representa uma Palas troiana cujo tipo, imitação de antiga figura arcaica, deve remontar a remota antigüidade. Está de pé e traz na mão direita a lança apoiada ao ombro, enquanto a esquerda empunha um facho. A ave sagrada está de pé diante da deusa, cujo costume, e particularmente o capacete, se afastam completamente do tipo habitual de Minerva.

A égide é uma pele de cabra de que nos servimos como escudo, mas significa igualmente a tempestade, e é em tal sentido que Homero a entende, quando fala do fogo e da luz que partem do escudo divino. Minerva, sendo na ordem física o raio personificado, devia ter por atributo a égide, e nos monumentos arcaicos podemos ver de que maneira era empregada primitivamente. Na grande época da arte, Minerva trá-la sobre o peito; a Górgona figura sempre na égide.

A cabeça da Górgona é um dos atributos essenciais da deusa a aparece quer sobre a égide, quer sobre o seu escudo. Exprime o terror com o qual Palas fere os inimigos.

A Minerva arcaica de Herculanum está numa atitude hierática: vestida do peplo de dobras tesas e engomadas, que recobre a concha, marcha resolutamente para o combate. A maneira pela qual a deusa traz aqui a égide é característica: segura-a sobre o ombro para ter o braço esquerdo inteiramente coberto. A égide é grandíssima, ao passo que nos monumentos menos antigos, perde algo da sua importância.

A égide usada por Júpiter passava por ser a pele da cabra Amaltéia, que lhe foi nutriz. Mas há tradições diferentes em torno da égide de Minerva. A deusa matara o monstro Ágis, filho da Terra, que vomitava chamas com uma fumaça negra e espessa. O monstro desolou, a princípio, a Frígia, em seguida o monte Cáucaso, cujas florestas queimou até a Índia. Depois foi incendiar o monte Líbano e devastou sucessivamente o Egito e a Líbia. Minerva, após o derrubar, o traspassou com a lança e da sua pele fez uma couraça, sobre a qual colocou posteriormente a cabeça de Górgona, e que usava como troféu. Quando a égide está colocada em volta do braço, como no-la apresenta a Minerva de Herculanum, é sempre um sinal de combate.

A Minerva de Egina segura a lança e o escudo no alto, mas a égide, em vez de ser usada sobre o braço, serve de couraça para garantir o peito e até as costas, sobre as quais recai. Essa estátua, que hoje se encontra na Gliptoteca de Munique, ocupava o centro do frontão ocidental do templo de Egina.

A famosa Minerva de Fídias, no Partenão, era de marfim e ouro. A deusa estava de pé, coberta da égide, e a sua túnica descia até os calcanhares. Empunhava uma lança com uma das mãos e com a outra uma vitória. O capacete estava encimado por uma esfinge, emblema da inteligência celeste; nas partes laterais havia dois grifos, cuja significação era a mesma que a da esfinge, e, acima da viseira, oito cavalos a galope, imagem da rapidez com a qual age o pensamento divino. A cabeça de Medusa figurava-lhe no peito. Os braços e a cabeça da deusa eram de marfim, com exceção dos olhos formados por duas pedras preciosas; as vestes eram de ouro e podiam ser retiradas com facilidade, pois era mister, quando a república se via em apertos, poder recorrer ao tesouro público, do qual a deusa era depositária. Na face exterior do escudo, posto aos pés da deusa, estava representado o combate dos atenienses contra as amazonas, na face inferior o dos gigantes contra os deuses: o nascimento de Pandora estava esculpido no pedestal. Um trecho da Antologia grega compara a Minerva de Fídias, em Atenas, à Vênus feita por Praxíteles em Cnido: "Vendo a divina imagem de Vênus, filha dos mares, tu dirás: subscrevo o juízo do frígio Páris. Se vires em seguida a Minerva de Atenas, exclamarás: quem não lhe adjudicou o primeiro era um boieiro!"

Minerva e Encélades

Minerva participou da guerra dos deuses contra os gigantes e contribuiu poderosamente para a vitória de Júpiter. Entre os inimigos por ela vencidos, o mais importante é Encélades. A força desse gigante era tal que, sozinho, poderia ter lutado contra todos os deuses juntos. Num momento em que Minerva se achava distante dos companheiros de armas, Encélades, percebendo que ela estava sozinha, dá um salto e posta-se-lhe na frente. A deusa o vê sem empalidecer, reúne todas as forças e pegando com ambas as mãos a Sicília, atira-a sobre o gigante que fica esmagado sob a enorme massa. A queda de Encélades termina a guerra dos gigantes: às vezes tenta ele remexer-se, e é o que produz os tremores de terra da região. A sua cabeça está situada sob o monte Etna, por onde vomita chamas, o que leva um poeta francês a dizer:

"Encelade, malgré son air rébarbatif, dessous le mont Etna fut enterré tout vif; là chaque fois qu'il éternue, un volcan embrase les airs, et quand par hasard il remue, il met la Sicile à l'envers."

O tanque de Encéfales em Versalhes mostra o gigante do qual somente vemos a cabeça e os gigantescos braços no meio dos fragmentos de rochedos. Mas a luta de Minerva contra esse gigante, tal qual a descreveu a mitologia, tem sido raramente representada, por não ser do domínio da plástica.

Minerva e Tirésias

Virgem essencialmente casta, Minerva sempre vestida, e se os artistas dos últimos séculos a representam por vezes despida, notadamente no julgamento de Páris, é pela ignorância em que se encontram quase sempre dos caracteres distintivos da deusa. Um único homem, o tebano Terésias, observou um dia Minerva no banho, e foi imediatamente ferido de cegueira, ou, segundo outros, metamorfoseado em mulher.

Pradier fizera um grupo de Minerva repelindo as setas de Cupido: a idéia era justa mitologicamente. Vênus ofendeu-se um dia pelo fato de seu filho nada poder contra a deusa ateniense:

"Vênus. - Por que, pois, Amor, tu que venceste os demais deuses, Júpiter, Netuno, Apolo, Réa, e eu própria, tua mãe, po que poupas apenas Minerva? Contra ela o teu archote não tem fogo, a tua aljava não tem setas, tu não tens arco... Não sabes mais disparar uma seta?

Amor. - Tenho medo dela, minha mãe. Ela é terrível, os seus olhos são terríveis, o seu aspecto imponente e viril. Todas as vezes em que avanço contra ela para lançar-lhe uma seta, ela me espanta agitando a sua pena; tremo e as setas me fogem das mãos.

Vênus. - Marte, por acaso, não é mais terrível? E, no entanto, tu o desarmaste e venceste.

Amor. - Sim, mas ele próprio é que se oferece aos meus golpes; chama-os. Minerva, pelo contrário, sempre me fita com desconfiança; um dia quando por acaso voava para ela, segurando o archote: "Se te aproximares de mim, disse-me, juro por meu pai que te varo com esta lança, pego-te pelo pé e atiro-te ao Tártaro, onde te dilacerarei com as minhas próprias mãos para matar-te." São essas as suas ameaças sem fim, e ao mesmo tempo lança sobre mim olhares furiosos; traz, ademais, sobre o peito uma cabeça horrorosa, cuja cabeleira é feita de víboras e que sempre me causa o maior terror. Creio estar vendo um fantasma e fujo mal a percebo." (Luciano).

 

Minerva e Mársias

Segundo uma velhíssima lenda, Minerva, tendo encontrado um osso de cervo, dele se serviu para inventar a flauta. Mas notando que tal instrumento a obrigava a umas caretas que a afeavam, e que, quando pretendia tocar, as demais deusas se riam, atirou para longe a desastrada flauta, e proferiu a maldição mais terrível contra o que a recolhesse. O frígio Mársias, que muito provavelmente pouco se importava com a divindade de Atena, não atribuiu a menor importância a tais imprecações, recolheu o instrumento e conseguiu tecá-lo com grande perfeição. Havia na Acrópole de Atenas um grupo representando Minerva a golpear Mársias, por ter ousado recolher a flauta por ela atirada para longe e que ela desejava fosse esquecida para todo o sempre. Num baixo-relevo, que está em Roma, vemos Minerva tocando a flauta dupla, e Mársias, sob a forma de um sátiro, a espreita para se apoderar do instrumento, no momento oportuno. Mais habitualmente, a deusa observa com atenção o que acaba de inventar. A mesma razão que a obrigou a renunciar ao uso de tal instrumento, impedia que os escultores a representassem com uma figura deformada e careteira.

 

Minerva Higéia

Vimos a serpente aparecer entre os atributos de Minerva. Essa serpente é habitualmente o emblema de Erecteu, que foi criado pela deusa. Mas Minerva era, por vezes, invocada como protetora da saúde. Tinha então o nome de Minerva higéia, e a serpente que ao seu lado surge com uma taça que a deusa segura com a mão, como se a serpente estivesse perto da companheira de Esculápio.

 

Minerva Obreira ou Ergane

Minerva não é apenas guerreira. Dela é que nos vem a indústria, é por isso tem sido denominada Minerva obreira. Laboriosa tanto quanto guerreira, enriquece as cidades que a honram ao mesmo tempo em que as protege. Ama a agricultura, e ensinou aos homens o uso da oliveira: é por tal motivo que essa árvore lhe é consagrada e que vemos figurar uma lâmpada entre os seus atributos. A arquitetura, a escultura, a mecânica cabem o domínio da deusa, que preside em geral a todos os trabalhos do espírito e da imaginação. Está representada, com tal aspecto, mas conservando o seu costume de guerra, num interessante baixo-relevo, onde a vemos dirigir, com os seus conselhos, um jovem escultor que cinzela um capitel, e outros obreiros que lidam com uma máquina; Júpiter e Diana estão atrás dela e seguidos de uma sacerdotisa fazendo uma libação, e de uma grande serpente de cabeça de bode que representa o gênio do teatro, como indica a inscrição mutilada que se lê acima. A de baixo diz: "Lucéio Pecularis, empreiteiro do proscênio, mandou colocar este baixo-relevo votivo segundo um sonho tido."

As principais atribuições de Minerva ergane estão resumidas num passo de Artemidoro: "Minerva é favorável aos artesãos, em virtude do seu apelido de obreira; aos que desejam contrair núpcias, pois pressagia que a esposa será casta e apegada ao lar; aos filósofos, pois é a sabedoria nata do cérebro de Júpiter. É ainda favorável aos lavradores, porque tem uma idéia comum com a terra; e aos que vão à guerra, porque tem uma idéia comum com Marte."

Foi Minerva obreira que inventou as velas dos barcos e a ela se deve a construção do famoso navio Argos. Mas é sobretudo pelos tecidos e trabalhos das mulheres que Minerva assume importância toda especial, e tem por atributo a roca. É também especialmente invocada pelas obreiras que preparam os tecidos, como se pode ver neste trecho da Antologia:

"Ó Minerva, as filhas de Xuto e de Melita, Sátira, Heracléia, Eufro, todas três de Samos, te consagram uma a sua longa roca, com o fuso que obedecia aos seus dedos para se incumbir dos fios mais soltos; outra a sua lançadeira harmoniosa que fabrica as telas de tecido cerrado; a terceira o seu cesto com os lindos novelos de lã, instrumentos de trabalho que, até a velhice, lhes sustentaram a laboriosa vida. Eis, augusta deusa,, as ofertas das tuas piedosas obreiras."

 

Minerva e Aracne

Os tecidos constituíam um dos ramos mais importantes da indústria dos atenienses; mas as fábricas da Ásia, célebres em todas as épocas, sobrepujavam em delicadeza as cidades gregas, cujos tecidos menos delicados eram provavelmente mais sólidos. Foi o que deu origem à lenda que nos pinta a rivalidade entre Minerva e Aracne.

Aracne não era ilustre pelo nascimento, mas o seu talento e a sua industriosidade a haviam tornado famosa. Seu pai era tintureiro de lã na cidade de Colonon, e ela adquirira tal reputação em todas as cidades da Lídia pela beleza dos seus trabalhos, que as ninfas do Tmolo e do Pactolo abandonavam as águas límpidas e os deliciosos bosquetes para lhe admirar os trabalhos da agulha. Sabia fiar e fazer a lã, e embelezava os seus tecidos com desenhos encantadores realçados por todas as cores do arco-íris. Envaidecia-se, porém, de tal modo com o seu talento, que por toda parte apregoava não ter receio de desafiar a própria Minerva.

A deusa, ferida por tal intento, assumiu o aspecto de uma anciã, cobriu de cabelos brancos a cabeça, e, indo procurar Aracne, censurou-a em termos amigáveis pela inconveniência da pretensão de uma simples mortal de se comparar a uma deusa, e sobretudo à deusa da qual procede toda a indústria humana. Aracne ofendeu-se, acolheu muito mal a anciã, que assim lhe falava, e, fitando-a de sobrolho carregado, avançou para ela disposta a golpeá-la, dizendo que, se Minerva se apresentasse, saberia muito bem confundi-la, mas que a deusa não ousaria, certamente, empreender uma luta que lhe seria desvantajosa.

Minerva, diante daquelas palavras, reassume o seu verdadeiro aspecto e declara que aceita o desafio. Ei-las a prepararem os trabalhos, a disporem os tecidos e a iniciarem o mister. Já corre a lançadeira com incrível rapidez, e o desejo que ambas experimentam de vencer redobra a atividade. Para tornarem o trabalho mais perfeito, cada uma delas desenha velhas histórias. Minerva representou no seu a disputa mantida com Netuno em torno do nome que deveria ser usado pela cidade de Atenas. Aracne houve por bem fixar histórias que não podiam deixar de ser desagradáveis às divindades do Olimpo grego. Viam-se as metamorfoses dos deuses, e as suas intrigas amorosas figuradas de tal modo que nenhum prestígio lhe advinha. Mas o trabalho de Aracne foi executado com tal delicadeza e tão incrível perfeição que Minerva não logrou descobrir sequer o menor defeito.

Esquecida, então, de que era deusa, para só se lembrar do despeito provado por ser igualada em finura por uma simples mortal, Minerva rasgou o tecido da rival, que imediatamente se enforcou de desespero. Minerva, tomada de piedade, sustentou-a no ar, para impedir que se estrangulasse, e disse-lhe: "Viverás, Aracne, mas ficarás para sempre pendurada desta maneira; será o castigo teu e de toda a tua posteridade." Ao mesmo tempo, Aracne sentiu que a cabeça e que o corpo lhe diminuíam de volume; mingudas patas lhe substituíram os braços e as pernas, e o resto do corpo se transformou num enorme ventre. A partir de então, as aranhassempre continuaram a fiar, e a indústria humana até hoje não conseguiu igualar a finura dos seus tecidos. (Ovídio).

É fácil notar que esta lenda, na qual Minerva não revela absolutamente um bom caráter, tem a sua origem nas cidades gregas da Ásia. Aracne, que é lídia, mostra, aos olhos dos gregos, uma singular audácia ao se comparar com a ateniense Minerva, mas os tecidos do Oriente eram inimitáveis, e procurados anciosamente em todos os mercados da Grécia; não é no terreno do trabalho que Aracne é vencida, é apenas mediante um resultado do poder divino, de que se acha dotada a adversária, igual, senão superior a ela em talento.

 

A Festa das Panatenéias

A grande festa das Panatenéias celebrava-se em Atenas, em honra de Minerva (Atena), deusa tutelar da cidade, a quem ela devera o nome. A festa compreendia diferentes exercícios, entre outros corridas a pé e a cavalo, combates gímnicos, e concursos de música e poesia. As lutas gímnicas se desenrolavam nas margens do Ilisso. A festa terminava por uma grande procissão figurada no friso da cela do Partenão.

O objetivo religioso da festa era cobrir a deusa de um véu novo em substituição ao que fora gasto pelo tempo. Mas o objetivo político era muito outro; tratava-se de mostrar que Minerva era ateniense pelo coração, e que ninguém podia invocar-lhe a proteção, se não fosse amigo de Atenas.

No monumento, vemos a sacerdotisa recebendo duas jovens virgens que lhe entregam objetos misteriosos. As jovens são crianças, pois segundo os ritos não podiam ter menos de sete anos nem mais de onze. "Durante a noite que precede a festa, diz Pausânias, põem elas sobre a cabeça o que a sacerdotisa lhes ordena que carreguem. Ignoram o que se lhes dá; aquela que lhes dá os objetos misteriosos também nada sabe. Há na cidade, perto da Vênus dos jardins, um recanto em que se acha um caminho subterrâneo cavado pela própria natureza. As jovens descem por aí, depõem o fardo, e em troca recebem outro, cuidadosamente coberto. O precioso fardo contém a velha vestimenta, e o que elas trazem de volta encerra a nova. Como a cena se desenrola de noite, uma delas empunha um archote."

Enquanto a sacerdotiza recebe a nova vestimenta da deusa, o grão-sacerdote, assistido por um jovem rapaz, se ocupa em dobrar o antigo peplo. O público não assiste à misteriosa cena do santuário, mas os deuses, espectadores invisíveis, estão sentados e dispostos em grupos simétricos. Entre eles, depara-se-nos Pandrosa, recoberta do véu simbólico que caracteriza o sacerdócio; mostra ela ao jovem Erecteu, ajoelhado, a cabeça da procissão que avança em direção ao santuário.

Vem antes um grupo de anciãos de andar grave, todos envoltos nos seus mantos e quase todos a se apoiarem nos seus bordões. São os guardas das leis e dos ritos sagrados, pois alguns parecem dar instruções às jovens virgens atenienses que os seguem. Trazem estas com gravidade o candelabro, o cesto, os vasos, as páteras e os demais objetos destinados ao culto. Depois das atenienses, surgem as filhas dos forasteiros fixados em Atenas. Não têm o direito de carregar objetos tão santos, mas seguram nas mãos os assentos dobradiços que servirão os canéforos. Vêm, depois, os arautos e os ordenadores da festa, que precedem os bois destinados ao sacrifício, seguidos dos meninos que conduzem um carneiro. Desfilam alguns homens que seguram bacias e odres cheios de azeite. Finalmente os músicos que tocam flauta ou lira, e um grupo de anciãos, todos empunhando um ramo de oliveira.

Começa, então, o desfile dos carros puxados por quatro cavalos e o longo cortejo dos cavaleiros. Sabia-se que Minerva ensinara aos homens a arte de domar os cavalos e de os atrelar ao carro, e a festa era sempre acompanhada de jogos eqüestres. Todos conheciam, pelos moldes, a famosa cavalgata do Partenão. Um cortejo de jovens, cuja clâmide flutua ao vento, doma os cavalos tessalienses que se empinam e lhes resistem.

Os prêmios concedidos aos vencedores nos jogos realizados em honra de Minerva consistiam ordinariamente em ânforas cheias de azeite. Era um modo de lembrar que a deusa plantara a oliveira que constituía a grande riqueza da Ática. O museu do Louvre possui vários desses vasos, chamados panatenaicos. Têm eles interessantes decorações, nas quais vemos Minerva de pé, brandindo a lança e segurando o escudo. A figura está concebida no estilo tradicional das antigas figuras de estilo arcaico. Está situada entre duas colunas que suportam, cada uma, um galo.

O galo era, com efeito, consagrado a Minerva obreira; Creuzer nos explica a razão: "O nome de ergane, diz ele, exprimiu a princípio o próprio trabalho, a tarefa diária, e parece ter-se aplicado primitivamente, com epíteto de Minerva, à proteção especial que a deusa dispensava às ocupações das mulheres. Sob tal ponto de vista, era-lhe consagrado o galo; quando o canto dessa ave anuncia o retorno da Aurora, relembra-nos ao mesmo tempo o culto de Minerva ergane e de Mercúrio agoreu, ou seja, os trabalhos da indústria e do comércio."

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