Ulisses

A Estória de Ulisses

Ulisses (também chamado de Odisseu) sabia antes de ir a Tróia que decorreriam vinte anos para o seu retorno à sua ilha rochosa de Ítaca, seu filho Telêmaco e sua esposa Penélope. Permaneceu em Tróia por dez anos e por outros dez singrou os oceanos, naufragou, acabando por ficar desprovido de todos os seus companheiros, freqüentemente com a vida por um fio, até que no vigésimo ano chegou mais uma vez às praias de sua ilha natal.

 

O Ciclope

Ao deixar Tróia, Ulisses e seus companheiros primeiramente encontraram os Cicônios, cuja cidade eles saquearam, mas em cujas mãos sofreram pesadas baixas. Estiveram em perigo de perder mais elementos para os Comedores de Loto, hedonistas que nada faziam além de ficarem sentados e comendo as saborosas frutas que os faziam esquecer todos os cuidados e responsabilidades. Ulisses teve que arrastar a força de volta ao navio aqueles que, entre os seus homens, provaram o loto. Mal tinham se recobrado da aventura quando enfrentaram a seguinte, o encontro com o Ciclope Polifemo.

Os ciclopes eram uma raça de fortes gigantes de um só olho, que ocupavam uma fértil região onde o solo gerava abundantes plantações por conta própria, fornecendo um pasto farto para as gordas ovelhas e bodes. Ansioso para encontrar os habitantes de tal terra, Ulisses direcionou um navio para o porto e, desembarcando, se dirigiu juntamente com a tripulação à caverna do Ciclope Polifemo, um filho de Posídon. Polifemo estava fora cuidando de suas ovelhas, assim Ulisses e a tripulação ficaram à vontade, até que ele retornou com o seu rebanho ao crepúsculo. O Ciclope era forte. Monstruoso e terrível e após algumas poucas perguntas sobre a origem e o que desejavam seus hóspedes inesperados, agarrou dois deles e fez seus miolos saltarem ao chão antes de devorá-los. A seguir o Ciclope sentiu-se sonolento; Ulisses considerou esfaqueá-lo até a morte, mas desistiu da idéia quando percebeu que a fuga seria impossível, pois a entrada da caverna tinha sido bloqueada com uma grande rocha, a qual o Ciclope podia erguer com uma só mão, mas seria impossível de mover mesmo com a força combinada de Ulisses e seus companheiros. O Ciclope comeu mais dois homens de Ulisses como refeição matinal e então saiu, tomando o cuidado de recolocar a grande pedra na entrada da caverna. O inteligente Ulisses não demorou a montar um plano de ação. Ele aguçou a ponta de uma grande estaca de madeira que havia no chão da caverna e endureceu sua ponta ao fogo.

Ao cair da tarde quando Polifemo retornou à caverna, Ulisses ofereceu-lhe uma tigela de forte vinho para acompanhar sua ração de marinheiros gregos. O Ciclope bebeu o vinho com entusiasmo e pediu para que a tigela fosse reenchida três vezes. Então, num estupor de embriaguez, deitou-se para dormir. Antes de dormir, perguntou o nome de seu hóspede, e Ulisses respondeu que era "Outis", ou seja, "Ninguém" em grego; o Ciclope prometeu que em retribuição pelo vinho comeria "Ninguém" por último. Assim que o monstro dormiu, Ulisses aqueceu a ponta da estaca ao fogo; quando ela ficou em brasa ele e quatro de seus melhores homens enterraram a ponta no olho único do Ciclope. O olho emitiu um chiado, semelhante "ao alto silvo que sai de um grande machado ou enxó, quando o ferreiro coloca a peça dentro da água para conferir-lhes têmpera e dar força ao ferro". O Ciclope, rudemente acordado pela dor terrível, urrou e rugiu, chamando seus vizinhos, os outros Ciclopes, para que viessem ajudá-lo. Mas quando estes se agruparam do lado de fora de sua caverna e perguntaram quem o estava incomodando, quem o tinha ferido, sua única resposta foi que Ninguém o incomodava e Ninguém o estava ferindo; assim eles acabaram perdendo o interesse e se retiraram.

Ao amanhecer, Ulisses e seus homens se preparam para fugir da caverna; cada homem foi amarrado embaixo de três grandes ovelhas, enquanto Ulisses alojou-se sob o líder do rebanho, um grande carneiro com magnífica lã. O Ciclope cego afastou a pedra e sentou-se à entrada da caverna, tentando agarrar a tripulação de Ulisses que estava saindo juntamente com as ovelhas, mas estes passaram a salvo por suas mãos, Ulisses por último. Guiando as ovelhas para o seu navio, eles trataram de zarpar rapidamente, apesar que Ulisses não resistiu zombar do Ciclope, que respondeu atirando pedaços de penhascos na direção de sua voz, alguns chegando a cair muito próximos do barco. Assim, Ulisses reuniu-se ao restante da esquadra e, enquanto os marinheiros pranteavam os companheiros perdidos, consolaram-se com as próprias ovelhas que tinham auxiliado sua fuga da caverna.

 

Eólia

Da ilha do Ciclope, Ulisses velejou até que chegou à ilha flutuante de Eólia, cujo rei, Éolo, tinha recebido de Zeus o poder sobre todos os ventos. Éolo e sua grande família receberam Ulisses e sua tripulação de maneira hospitaleira, e, ao chegar a hora da partida, Éolo deu a Ulisses uma bolsa de couro na qual tinha aprisionado todos os ventos tempestuosos; a seguir, invocou uma boa brisa para o oeste que levaria os navios a salvo para casa, em Ítaca. Eles velejaram no curso por dez dias e estavam à vista de Ítaca quando o desastre os atingiu. Ulisses, que tinha ficado acordado toda a jornada segurando o leme do barco, caiu num sono exausto, e sua tripulação, não sabendo o que havia na bolsa de couro, começou a suspeitar que continha um valioso tesouro que Éolo teria dado a Ulisses. Ficaram enciumados, sentindo que tinham enfrentado as situações difíceis com Ulisses, devendo também compartilhar suas recompensas: acabaram por abrir a bolsa e acidentalmente libertaram os ventos. Ulisses acordou no meio de uma medonha tempestade, que soprou o navio de volta a Eólia. Desta vez a recepção dada a Ulisses e a seus companheiros foi bastante diferente. Eles pediram que Éolo lhes desse uma nova chance, mas, este declarando que Ulisses devia ser um homem odiado pelos deuses, negou-se terminantemente a ajudá-los, mandando embora Ulisses e seus companheiros.

 

Circe

Na sua seguinte chegada à terra, Lestrigônia, todos os navios, com exceção o de Ulisses, foram perdidos num calamitoso encontro com os monstruosos habitantes; assim foi num estado considerável de pesar e depressão que Ulisses e seus camaradas sobreviventes viram-se na ilha de Aca. Desembarcando, permaneceram deitados dois dias e duas noites na praia, completamente exaustos pelos seus esforços e desmoralizados pelos horrores que tinham passado. No terceiro dia, Ulisses levantou-se para explorar a ilha, e a partir de um outeiro percebeu fumaça saindo de uma habitação na floresta. Decidindo prudentemente a não fazer um reconhecimento imediato, retornou ao barco para contar a novidade aos companheiros. Previsivelmente ficaram amedrontados, lembrando dos Lestrigões e do Ciclope, mas, como Ulisses estava determinado a explorar, dividiu sua companhia em dois grupos, um comandado por ele próprio e o outro por um homem chamado Euríloco. Os dois grupos tinham a sorte e a tarefa da exploração recaiu em Euríloco, enquanto Ulisses permaneceu no navio. O grupo de Euríloco acabou chegando à casa na floresta. Do lado de fora existiam lobos e leões, que cabriolavam e faziam festas aos homens; eram de fato seres humanos que tinham sido transformados em animais pela feiticeira Circe, cujo lindo canto podia ser escutado no interior da casa. Quando os marinheiros gritaram para chamar sua atenção, saiu e os convidados a entrar; apenas Euríloco, suspeitando de algum truque, permaneceu do lado de fora. Circe ofereceu comida aos homens, no qual continha uma droga que os faria esquecer de sua terra natal; quando terminaram de comer, os tocou com sua varinha e os conduziu ao chiqueiro, pois agora possuíam a forma externa de porcos, apesar de infelizmente lembrarem quem realmente eram.

Em pânico, Euríloco voltou correndo ao navio para relatar o desaparecimento de seus companheiros. Ulisses ordenou que o levasse de volta à casa de Circe, e quando se recusou, partiu só para o resgate. No seu caminho através da ilha, encontrou Hermes, disfarçado como um jovem; o deus deu-lhe uma planta mágica, a qual, misturada com a comida de Circe, seria um antídoto para sua droga; também o instruiu como lidar com a feiticeira: quando Circe o tocasse com sua varinha, deveria avançar sobre ela como se para matá-la; ela então recuaria com medo e o convidaria a compartilhar de sua cama. Deveria concordar com isso, mas deveria fazê-la jurar solenemente a não tentar truques enquanto estivesse vulnerável.

Os fatos se passaram como Hermes tinha previsto. Após terem ido para a cama, Circe banhou Ulisses e o vestiu com roupas finas e lhe preparou um suntuoso banquete, mas Ulisses sentou-se numa abstração silenciosa, recusando toda a atenção. Circe acabou lhe perguntando o que estava errado, e disse-lhe que ela não poderia esperar que estivesse de corpo e alma na festa enquanto metade de sua tripulação estava chafurdando no chiqueiro. Então Circe libertou os novos porcos de seu confinamento e os untou com ungüento mágico. Seus pêlos rijos caíram e se tornaram novamente homens, porém mais jovens e mais bonitos do que tinham sido antes. Ulisses e seus homens choraram com alívio e alegria e pararam apenas quando Circe sugeriu que deveriam chamar o restante de sua companhia para que se juntassem à celebração. Ficaram com Circe por todo um ano, comendo, bebendo e se divertindo, esquecendo os percalços que tinham passado.

 

O Mundo Inferior

Eventualmente, Ulisses foi lembrado por alguns dos companheiros que talvez fosse tempo de se pensar em Ítaca. Circe avisou-o que antes de zarpar para casa deveria primeiro visitar o Mundo Inferior (ou reino dos mortos) para consultar o profeta tebano Tirésias: apenas Tirésias poderia dar-lhe instruções para seu retorno. Assim, Ulisses velejou com seu navio através do Rio de Oceano e atracou o barco perto do bosque de choupos de Perséfone. Lá, na margem, cavou uma vala na qual colocou libações aos mortos, compostas de mel, água, leite e vinho; sobre a vala cortou a garganta de um carneiro e de uma ovelha negra. Atraídos pelo cheiro de sangue, as almas dos mortos surgiram para beber, mas Ulisses sacou sua espada e os manteve a distância, esperando pelo aparecimento da alma de Tirésias. O primeiro a aparecer foi um elemento de sua tripulação, Elpenor, que tinha caído do teto da casa da Circe onde estava dormindo na manhã da partida e o qual, na ânsia dos outros em partir, tinha ficado sem enterro nem velório; Ulisses prometeu resolver este caso assim que possível. Quando Tirésias apareceu, Ulisses o deixou beber o sangue, e o profeta então disse-lhe que havia uma boa possibilidade para seu retorno a salvo para casa, mas deveria certificar-se em não pilhar o Rebanho do Sol na ilha de Trinácia; também o alertou sobre a situação que encontraria em Ítaca, onde pretendentes astutos estavam cercando sua fiel esposa Penélope.

Após ter ouvido o que Tirésias poderia contar-lhe, Ulisses deixou outras almas se aproximarem e beber o sangue, o que lhes possibilitou conversar com Ulisses. A primeira que surgiu era sua velha mãe, que relatou-lhe como tinha morrido e fez um triste relato do estado lamentável de seu pai Laerte e os bravos esforços de Penélope para repelir seus pretendentes. Ulisses, tocado pelo pesar e desejando confortar tanto a si próprio como a sua mãe, tentou três vezes abraça-la, mas nas três vezes se desvaneceu entre seus braços e o deixou segurando o ar. Outras heroínas aproximaram-se e conversaram, e a seguir veio Agamenon, que contou a Ulisses sobre sua morte sangrenta, confortando-o com a idéia que Penélope nunca agiria como Clitemnestra. Aquiles também se aproximou, e Ulisses saudou-o como o homem mais afortunado que já havia vivido, um poderoso príncipe entre os vivos e os mortos. Aquiles respondeu que preferiria ser um escravo vivo do que um rei morto, mas Ulisses o consolou com notícias das façanhas de seu filho Neoptólemo, e partiu feliz.

Durante esta visita Ulisses viu alguns dos famosos componentes do mundo dos mortos; Sísifo eternamente empurrando sua grande pedra montanha acima, com ela escorregando de volta assim que chegava ao topo; e Tântalo, enfiado até o pescoço dentro de uma pequena lagoa com água, a qual desaparecia quando se inclinava para bebê-la, com ramos de frutas pendentes sobre sua cabeça que sumiam quando ele tentava alcança-las. Ulisses queria ver mais, e encontrou o fantasma do poderoso Hércules, mas antes de poder encontrar outros heróis de gerações anteriores, foi assustado por uma grande onde de mortos que vieram aos milhares em sua direção e elevaram a sua volta seus brados lúgubres e dolorosos; em pânico, retornou ao navio, soltou as amarras e cruzou de volta ao mundo dos vivos.

 

As Sereias, Cila e Caribde

Ulisses retornou à ilha de Circe, e assim que Elpenor foi adequadamente sepultado, Circe deu a Ulisses mais instruções para a sua jornada e para prepará-lo para os males que ainda estavam por vir. O navio velejou primeiro para a ilha das Sereias, terríveis criaturas com cabeças e vozes de mulheres, mas com corpos de pássaros, que existiam com o propósito de atrair marinheiros para as rochas de sua ilha com doces canções. Quando o barco se aproximou, uma calmaria mortal se abateu sobre o mar, e a tripulação utilizou os remos. De acordo com as instruções de Circe, Ulisses tampou os ouvidos da tripulação com cera, enquanto ele próprio foi amarrado ao mastro, de modo que pudesse passar a salvo pelo perigo e ainda ouvir a canção. "Venha para perto, Ulisses", cantavam as Sereias: Ulisses gritou para seus homens para que o soltassem, mas remaram resolutamente para a frente, e o perigo acabou passando.

A próxima tarefa era navegar os dois locais perigosos de Cila e Caribde. Caribde era um terrível redemoinho, que alternativamente sugava e aatirava para cima a água; os marinheiros prudentes que escolheram evitá-lo foram forçados a encontrar, ao invés, a igualmente terrível Cila. Cila ocultava-se numa caverna localizada no alto de um rochedo, disfarçada pela névoa e vapor de água dos vagalhões abaixo; possuía doze pés que balançavam no ar e seis pescoços, cada um equipado com uma monstruosa cabeça com três fileiras de dentes. Da sua caverna exigia uma taxa de vítimas humanas dos barcos que passavam abaixo. Ulisses, alertado por Circe, decidiu não contar a seus marinheiros sobre Cila; passando mais ao largo possível de Caridbe, eles passaram diretamente abaixo do rochedo de Cila, e, apesar de Ulisses estar armado e preparado para lutar com ela pela vida da tripulação, conseguiu escapar de sua vigilância e teve sucesso em arrebatar seis vítimas aos berros.

 

O Rebanho do Sol

A seguir, o navio aproximou-se da ilha de Trinácia, um local de pasto farto onde Apolo mantinha seu rebanho do gado gordo. Ulisses tinha sido alertado tanto por Circe como por Tirésias que, se esperava alcançar Ítaca vivo, deveria evitar este local e, a qualquer custo, não tocar neste gado. Explicou isto a seus homens, mas, cansados e deprimidos pela perda de mais seis camaradas, insistiram em lançar âncora e passar a noite na praia. Deparando-se com um motim, Ulisses tinha poucas opções além de concordar, mas os fez jurar que deixariam o gado em paz. Naquela noite formou-se uma tempestade, e por todo um mês o vento soprou do sul, sendo impossível continuarem sua viagem.

Enquanto possuíam as provisões que Circe tinha lhes dado, os homens mantiveram sua promessa e não tocaram no gado. Mas sua comida acabou por terminar e, movidos pela fome, aproveitaram a oportunidade de uma ausência temporária de Ulisses para abater alguns dos mais belos exemplares do rebanho; consideravam que se os sacrificassem em honra dos deuses, os deuses dificilmente ficariam irados. Ulisses retornou sentindo o odor da carne assada; repreensão era inútil, pois o mal estava feito, e os deuses estavam determinados a vingar o crime. Quando a carne terminou, o vento amainou, assim o navio pode zarpar; mas nem bem estava no mar quando uma terrível borrasca surgiu e o barco foi primeiramente esmagado pela força das ondas, e a seguir feito em pedaços por um raio. Toda a tripulação se perdeu, salvo o próprio Ulisses, que conseguiu agarrar-se aos destroços do mastro e quilha, no qual permaneceu por dez dias até que foi jogado nas areias da ilha de Pgigia, morada da linda ninfa Calipso.

 

Calipso

Calipso tornou Ulisses seu amante e ficou com ela por sete anos, pois não tinha meios de escapar. A deusa Atena acabou enviando Hermes, mensageiro dos deuses, para explicar à ninfa que era chegada a hora de deixar seu visitante seguir seu caminho. Calipso, apesar de relutante em perdê-lo, sabia que devia obedecer, assim forneceu a Ulisses material para a confecção de uma jangada, deu-lhe comida e bebida e invocou um vento suave para levá-lo de volta a Ítaca. Sem incidentes, aproximou-se da terra dos Feácios, grandes marinheiros que estavam destinados a levá-lo na última etapa de sua viagem. Mas então Posídon interviu: detestava Ulisses pelo que tinha causado a seu filho, o Ciclope Polifemo, e agora estava irado por vê-lo tão próximo do fim de sua jornada. Então, enviou outra tempestade, que partiu o mastro da jangada e a deixou ser levada pelo vento.

Como o vento norte na época da colheita arremessa pelos campos uma bola de cardo, o mesmo ocorreu com a sua jangada, indo para cima e para baixo sobre as ondas. Agora o Vento Sul o jogaria para o Norte como um jogo, e agora o Leste o deixaria para ser perseguido pelo Oeste.

Ulisses foi salvo da morte certa pela intervenção da ninfa marinha Ino. Ela deu-lhe seu véu, instruindo-o a atá-la ao redor da cintura e então a abandonar o barco e se dirigir para a praia. Como uma grande onda despedaçou sua jangada, Ulisses fez o que tinha lhe sido dito. Por dois dias e duas noites nadou em frente, mas no terceiro dia alcançou as praias de Feácia e acabou conseguindo chegar à costa rochosa na foz de um rio. Atirou o véu de Ino de volta ao mar e deitou-se numa moita espessa para dormir.

 

Ulisses em Feácia

Inspirada por Atena, a princesa Feaciana Nausícaa tinha escolhido aquele mesmo dia para uma ida à foz do rio para lavar roupas nas fundas lagoas que lá existiam. Quando ela e suas criadas terminaram a lavagem e espalharam as roupas sobre os seixos, tomaram banho, comeram e se divertiram cantando e brincando com uma bola enquanto esperavam que as roupas secassem. Quando Nausícaa atirou a bola para uma das criadas, esta não conseguiu segurar e acabou caindo no rio; todas as moças gritaram alto e Ulisses acordou de seu sono, imaginando em que terra selvagem tinha chegado agora. Quebrando um galho, o qual utilizou para esconder sua nudez, emergiu de sua moita e encontrando Nausícaa bravamente mantendo o seu lugar, enquanto as outras moças fugiram em pânico. Dirigiu-se a Nausícaa numa súplica, pedindo-lhe para mostrar o caminho para a cidade e para que desse algo para vestir. Nausícaa respondeu-lhe com dignidade e gentileza, e, após ter tomado banho, Ulisses passou óleo no próprio corpo e vestiu-se com uma das finas roupas delas; deu-lhe comida e bebida, e ele a acompanhou juntamente com as outras moças de volta aos arredores da cidade. Para evitar fofocas, Nausícaa deixou Ulisses neste ponto, para que fosse só ao centro da cidade. Sugeriu que fosse direto à casa de seu pai Alcínoo e caísse aos pés de sua mãe Arete com uma súplica.

Guiado pela própria Atena na forma de outra moça local, Ulisses chegou ao esplêndido palácio de Alcínoo. Havia paredes de bronze e portões de ouro, guardados por cães de guarda de ouro e prata. Dentro do palácio, a luz era fornecida por estátuas de ouro maciço mostrando jovens portando tochas. Dentro do pátio havia um lindo jardim e horta, com árvores frutíferas, vinhas e uma bem aguada cobertura vegetal. Após ter admirado tudo isso, Ulisses, envolto numa névoa criada por Atena, entrou e caminhou diretamente em direção à rainha Arete, colocando seus braços em volta de seus joelhos numa súplica. Assim que a névoa disfarçante se dissipou, os Feácios escutaram com espanto sua petição: pediu abrigo e para ser transportado para sua terra natal.

Quando se recobrou de sua surpresa inicial, Alcínoo foi generoso na sua reação. Polidamente, evitou questionar seu hóspede imediatamente, arranjou-lhe um descanso imediato, prometendo que pela manhã medidas seriam tomadas para retorná-lo a sua terra. Quando os outros Feácios se retiraram e Ulisses ficou a sós com Alcínoo, Arete perguntou-lhe quem era e como tinha conseguido suas roupas, as quais não tinha tardado a reconhecer. Ulisses, então, contou a estória de suas aventuras desde que tinha deixado a ilha de Ogigia, explicando como tinha encontrado Nausícaa na foz do rio. Enquanto isso, Arete arranjou que um leito fosse arrumado e Ulisses ficou grato em se retirar.

No dia seguinte um barco foi emparelhado para transportar Ulisses de volta à sua casa, mas antes de partir, o hospitaleiro Alcínoo insistiu em festejar seu hóspede e regalá-lo com esportes e outros entretenimentos. Primeiro o bardo Demódoco atuou para o grupo reunido, cantando um episódio da guerra de Tróia, uma discussão que tinha ocorrido entre o ilustre Aquiles e o inteligente Ulisses. Enquanto escutava, Ulisses chorou e moveu seu manto sobre a cabeça para esconder sua tristeza. Apenas Alcínoo percebeu, e para alegrar seu convidado propôs algumas competições atléticas. No início Ulisses ficou alegre ao observar os jovens nobres, mas, quando desafiado, atirou o disco a uma distância recorde. A seguir, ocorreram danças e então Demódoco cantou novamente a estória das aventuras amorosas de Afrodite e Ares. Os nobres Feacianos competiram entre si para presentear Ulisses. Na refeição da noite, Demódoco cantou novamente, e com sugestão de Ulisses o tema foi o Cavalo de Madeira de Tróia. Ulisses chorou novamente enquanto ouvia, e novamente apenas Alcínoo o observou. Ao fim da estória, Alcínoo pediu a Ulisses que lhes contasse quem era, de onde vinha e para onde desejava ser transportado; e porque chorava com as canções do bardo. Assim convidado, Ulisses contou quem era e descreveu todas as aventuras pelas quais tinha passado: falou dos Cicônios e dos Comedores de Loto, do Ciclope, Éolo, os Lestrigões, Circe, sua visita ao mundo dos mortos, as Sereias, Cila e Caridbe e o Rebanho do Sol, finalizando com sua estada com Calipso, de onde acabou por sair e ser trazido à terra dos Feácios.

Na manhã seguinte Ulisses despediu-se finalmente de seus anfitriões e um rápido barco Feaciano o conduziu sem incidentes a Ítaca. Ulisses dormiu quando o barco percorria sua rota, e estava ainda adormecido quando a estrela d'alva surgiu e a tripulação o colocou, juntamente com os presentes recebidos dos Feácios, na praia de Ítaca, ao lado de uma maravilhosa caverna, morada das ninfas. Quando Ulisses acordou não conseguiu reconhecer o local, em grande parte porque Atena tinha lançado uma névoa sobre a ilha, para lhe dar tempo de encontrar Ulisses e lhe arranjar um disfarce adequado. Como estava nervosamente se perguntando onde os traiçoeiros Feácios o tinham desembarcado,Atena apareceu na forma de um pastor e, em resposta às suas perguntas, contou-lhe que estava realmente em Ítaca. O cansado Ulisses contou a deusa uma estória sobre ser um exilado cretense; ela sorriu diante de sua inteligência e em resposta revelou sua verdadeira identidade, reafirmando-lhe que estava realmente em Ítaca, e o aconselhou como deveria proceder para reconquistar sua esposa e reino.

 

Ulisses em Ítaca

Nos vinte anos que Ulisses esteve fora de casa, a maioria do povo de Ítaca, fora sua esposa Penélope, seu filho Telêmaco e uns poucos amigos fiéis, acreditava que estava morto, que tinha morrido em Tróia ou na sua viagem de volta. Como Penélope não era apenas bonita e completa, mas também rica e poderosa, sendo que o homem que casasse com ela herdaria a riqueza e a posição de Ulisses, estava sendo acossada por pretendentes, jovens nobres que permaneciam no palácio de seu marido, comendo e bebendo suas provisões e forçando suas atenções indesejadas sobre ela. Pelo período que pode, Penélope ganhou tempo, convencendo cada um que havia base para esperança, mas não dizendo nada definitivo a qualquer um deles. Por três anos os enganou, dizendo que estava tecendo um manto para o velho pai de Ulisses, Laerte; seria inadmissível que ele morresse sem que tivesse uma mortalha pronta; portanto deveriam aguardar sua decisão até que tivesse terminado sua tarefa. Todos os dias trabalhava no tear, mas à noite desfazia seu trabalho sob luz de tochas. No início do quarto ano, entretanto, foi traída por uma de suas criadas, que ajudou seus pretendentes a pegá-la no seu artifício. E relutantemente foi forçada a terminar seu tecido.

Pouco antes da chegada de Ulisses em Ítaca, Atena inspirou Telêmaco, agora com idade para desempenhar um papel ativo no retorno de seu pai, a fazer uma jornada com o objetivo de descobrir o que lhe tinha acontecido. Telêmaco se dirigiu primeiramente a Pilos, onde consultou o velho Nestor; Nestor não tinha novidades, mas o enviou ao magnificente palácio de Menelau em Esparta. Menelau e Helena o trataram com grande bondade, e Menelau explicou como tinha ficado sabendo de um Velho Homem do Mar que Ulisses estava retido na ilha da linda ninfa Calipso. Quando Ulisses chegou a Ítaca, Telêmaco estava voltando para casa; os pretendentes, irritados e um pouco alarmados pelo comportamento de Telêmaco, planejaram emboscar seu barco durante o seu retorno, mas, com a ajuda de Atena, Telêmaco escapou desta armadilha e chegou a salvo em casa.

Atena aconselhou Ulisses a não ir diretamente à cidade mas, ao contrário, procurar abrigo com o porqueiro Eumeu, que vivia com seus porcos numa fazenda um pouco distante. Disfarçado como um mendigo, Ulisses fez como sua patronesse sugeriu, e foi muito bem recebido por Eumeu, cuja explanação sobre a situação na cidade era entremeada com elogios a seu senhor ausente e preces para seu retorno a salvo. Em resposta às perguntas de Eumeu, Ulisses contou-lhe uma longa estória sobre suas origens, dizendo ser um filho ilegítimo de um rico cretense; após muitas aventuras tinha acabado em Tesprótia, onde tinha ouvido falar de Ulisses, o qual tinha passado a pouco tempo por este local. O rei de Tesprótia o colocou num navio com destino a Duliquio, mas a maldosa tripulação o tinha preso, com a intenção de vendê-lo como escravo. Quando eles desembarcaram em Ítaca, conseguiu soltar-se de suas cordas e nadar para a praia, chegando então à morada de Eumeu.

Eumeu engoliu toda a estória, exceto referências a Ulisses, que se recusava a aceitar, mesmo quando seu hóspede jurou que estaria de volta naquele mesmo mês e ofereceu-se para ser jogado num abismo pelos homens de Eumeu se estivesse errado. Eumeu serviu a Ulisses uma refeição composta de carne de porco assada, e arrumou uma confortável cama perto do fogo; ele próprio passou a noite do lado de fora, cuidando da propriedade de seu senhor ausente.

Na noite seguinte, durante o jantar na cabana do porqueiro, Ulisses anunciou sua intenção de rumar para a cidade para esmolar no palácio; mas Eumeu, ansioso pela segurança de seu hóspede, insistiu que esperasse o retorno de Telêmaco. Naquela noite, foi a vez de Eumeu contar a estória de sua própria vida, e contou como tinha nascido de pais nobres mas sendo raptado por mercadores fenícios quando era criança, para ser vendido como escravo em Ítaca. Na manhã seguinte, Telêmaco chegou a ilha e, guiado por Atena, seguiu diretamente para a cabana do porqueiro. Enquanto Eumeu seguiu para a cidade para contar a Penélope que Telêmaco estava de volta, Atena dissolveu o disfarce de Ulisses e solicitou que revelasse a identidade do filho. Telêmaco a princípio relutou em acreditar que o mendigo na cabana do porqueiro era realmente seu pai, mas acabou convencendo-se e os dois choraram juntos, de alegria e alívio. Ao se recobrarem fizeram planos: Ulisses seguiria Telêmaco de volta à cidade e iria esmolar em seu próprio palácio. Lá, avaliaria a situação e esperaria a oportunidade ideal para atacar; quando esta ocasião chegasse, sinalizaria para Telêmaco e, então, os dois, com a ajuda de Zeus e Atena, dariam cabo dos miseráveis pretendentes.

Ulisses foi para a cidade em companhia do porqueiro. No caminho encontraram o pastor de cabras Melanteu, em velhaco completamente a soldo dos pretendentes, que dirigiu vários insultos e golpes ao velho mendigo. Do lado de fora, sobre um monte de esterco, estava um velho galgo, doente e debilitado. Quando escutou a voz de Ulisses, ergueu as orelhas e moveu alegremente sua cauda. Ulisses o reconheceu imediatamente e, tocado por sua aparência, disfarçadamente verteu uma lágrima. Ao comentar a aparência dilapidada do cão com Eumeu, este último respondeu que há vinte anos nenhum cão podia vencer Argos, ou farejar melhor, mas na ausência de seu senhor envelheceu e ficou malcuidado. Quando os dois entraram no prédio, Argos morreu em silêncio, feliz de ver seu senhor novamente após vinte longos anos.

Como seria previsível, Ulisses foi agredido e insultado pelos pretendentes quando tentou esmolar no seu próprio salão. Eles zombaram de seus andrajos, o ameaçaram, e um chegou mesmo a jogar um banquinho nele. Mas, ao vencer o mendigo resistente num pugilato, subiu no conceito deles. Neste ponto, Penélope foi subitamente inspirada a se mostrar aos pretendentes. Assim, desceu ao salão, onde sua beleza encheu a todos com desejo; repreendeu Telêmaco por permitir que insultassem o mendigo em sua casa, voltando-se então aos pretendentes e sugerindo que, ao invés deles consumirem sua casa, seria mais adequado que lhe trouxessem presentes. Concordaram e, para prazer de Ulisses, trouxeram finos presentes de tecidos e jóias. Ao cair da noite, era hora de novo banquete e Ulisses fez-se útil cuidando das luzes e fogos. Os pretendentes novamente desafiaram o mendigo entre eles, e outro banco foi atirado, para ser imediatamente evitado pelo seu alvo. Quando os pretendentes finalmente se retiraram para suas próprias casas para passar a noite, Telêmaco e Ulisses removeram todas as armas da sala e as guardaram num depósito. Penélope desceu então novamente para conversar com o mendigo, cuja presença tinha despertado seu interesse. Perguntou-lhe de onde tinha vindo e explicou sua própria difícil situação: os pretendentes estavam pressionando para que fizesse sua escolha entre eles, enquanto apenas desejava a volta de Ulisses. Ulisses respondeu-lhe que era um cretense de descendência real, e que tinha encontrado Ulisses em Creta. Para testar a veracidade de sua estória, perguntou-lhe que roupas Ulisses estava usando, o qual descreveu uma capa púrpura com um broche de ouro com um detalhe de um galgo mordendo um fauno. Penélope chorou quando reconheceu estes detalhes. Para animá-la, Ulisses prometeu-lhe que seu marido estava vivo, bem e muito perto; de fato estaria de volta a Ítaca naquele mesmo mês.

Penélope sugeriu então que o mendigo poderia apreciar um banho e uma cama confortável. Mas o cauteloso Ulisses, entretanto, apenas permitiu que seus pés fossem lavados por uma antiga criada, assim a velha ama Euméia foi chamada para a tarefa. Euméia comentou imediatamente como o mendigo s fazia lembrar de Ulisses; Ulisses respondeu que todos diziam o mesmo. Quando começou a lavar seus pés, Ulisses subitamente lembrou-se da cicatriz na sua perna, conseguida quando era apenas um menino e tinha se juntado a uma expedição de caça de javalis no monte Parnasso com seu avô Autólico e seus tios. Ficou nas sombras, mas evidentemente Euméia sentiu e reconheceu a cicatriz; na excitação, derrubou a bacia com água e teria gritado alto para avisar Penélope se Ulisses não tivesse agarrado firmemente pela garganta e a instruído a não contar a ninguém quem era até que se livrasse dos pretendentes. Durante todo este tempo, Penélope estava sentada absorta em seus pensamentos. Mas quando Euméia buscou mais água e terminou a tarefa e Ulisses estava novamente sentado ao lado do fogo, dirigiu-se novamente a ele e explicou seu dilema: deveria se casar para livrar Telêmaco do fardo de sua presença e das dos pretendentes, ou continuar a aguardar a volta de Ulisses? Perguntou-lhe se o mendigo poderia explicar o significado de um sonho recente no qual uma grande águia desceu das montanhas e abateu-se sobre seus vinte gansos de estimação, matando-os todos; a seguir, pousando num apoio do telhado, a ave disse-lhe que os gansos eram os pretendentes e ela própria era Ulisses. O mendigo Ulisses assegurou-lhe que o sonho se tornaria verdade e que os pretendentes seriam todos destruídos, mas a cautelosa Penélope respondeu que os sonhos são confusos; aqueles que viessem através do portão de chifre se tornariam verdade, mas aqueles do portão de marfim vinham apenas para enganar. Antes de ela se retirar para seus aposentos para passar a noite, e chorar por Ulisses até que conseguiu dormir, disse ao mendigo que pretendia anunciar uma competição entre os pretendentes. Colocaria doze cabeças de machado em linha e convidaria os pretendentes a curvar o grande arco de Ulisses e mandar uma flecha diretamente através de todas as doze. Casaria com aquele que provasse ser capaz de realizar este feito, o qual Ulisses freqüentemente era capaz de realizar.

No dia seguinte, Penélope trouxe o grande arco de Ulisses e anunciou a competição aos pretendentes, cada um esperando ser o único a curvar o arco e atirar através das cabeças de machados. Telêmaco preparou o salão para a competição e tentou curvar o grande arco, dobrando-o através de seu joelho. Isso necessitou toda a sua força, e poderia Ter conseguido se não fosse um sinal de cabeça de Ulisses para que parasse. Assim, abandonou a tentativa e os pretendentes tiveram, um por um, a sua vez, mas nenhum conseguiu curvar o arco, ainda mais mandar uma flecha através dos machados. Enquanto estavam experimentando suas forças, Ulisses esgueirou-se para fora do salão e revelou sua verdadeira identidade ao porqueiro Eumeu e ao igualmente confiável vaqueiro Filótio, orientando-os a virem em seu auxílio quando desse o sinal. Quando um dos dois líderes dos pretendentes, Eurímaco, tentou e falhou no teste, o outro líder, Antínoo, sugeriu que adiassem isto por um dia, pois tratava-se de um dia festivo e deveriam estar se banqueteando e fazendo sacrifícios ao deus-arqueiro Apolo; sua sugestão foi completamente aprovada. Após todos terem bebido seu primeiro brinde, Ulisses perguntou se ele poderia tentar o arco. Antínoo não concordou, mas Penélope, que estava observando a cena, insistiu que tivesse direito a uma chance; Telêmaco então interviu, mandando sua mãe de volta a seu quarto. No meio do burburinho o porqueiro Eumeu sorrateiramente retirou o arco e o levou a Ulisses, colocando-o nas suas mãos. Vistoriou a arma familiar, para assegurar-se que não estava danificada pelo longo desuso; então, "tão facilmente como um músico que conhece as cordas de sua lira, foi colocado novo encordoamento após a tripa de ovelha ter sido enrolada nas duas extremidades", encordoou o arco e o curvou, o qual cantou nas suas mãos como uma chamada de uma andorinha. Em silêncio, sem alarde, ajustou uma flecha no arco e atirou através de toda a linha de machados.

Os pretendentes, pegos de surpresa, ficaram ainda mais chocados com a seqüência. Ao correr Telêmaco para tomar o seu lugar ao lado do pai, Ulisses apontou uma segunda flecha, desta vez à garganta de Antínoo. Não percebendo o que estava acontecendo e pensando se tratar de um acidente, os pretendentes cercaram Ulisses furiosos, mas quando contou-lhes quem realmente era e que sua intenção era matar a todos, perceberam sua situação e tentaram atacá-lo. Ajudado pelos fiéis servos, o vaqueiro e o porqueiro, Ulisses e Telêmaco poderiam ainda estar em desvantagem pelo grande número de pretendentes, se Atena não tivesse intervido em seu favor. Pretendente após pretendente caiu ao chão, sendo poupados apenas o menestrel e o mensageiro, que foram pressionados a servirem contra a vontade aos pretendentes. Os pretendentes"jaziam aos montes, sobre o sangue e a poeira, como os peixes que o pescador tinha retirado das profundezas entre as malhas de sua rede, numa curva de praia, para jazer em grupos sobre a areia, arquejando pela água salgada até que o sol brilhante desse um fim a suas vidas". Ulisses então "manchado com sangue e sujeira, como um leão que acabasse de se alimentar de um novilho", chamou a velha ama Euméia. Ela apontou as criadas que se desgraçaram ao servir os pretendentes limpando e arrumando o salão; isto feito, foram enforcadas de uma vez no pátio.

Penélope, sob a influência de Atena, tinha dormido profundamente durante o barulho da grande batalha no salão e as operações subseqüentes de limpeza. Agora foi acordada por Euméia que contou as novas sobre o retorno de seu marido. Atordoada pelo choque, não conseguia Ter completa certeza que o estranho era realmente Ulisses, ou o que deveria dizer-lhe. Cautelosa como o seu marido, ela colocou-lhe um teste final instruindo Euméia a retirar de seu quarto o grande leito que Ulisses tinha construído. Ulisses sabia que o leito era impossível de ser movido, pois tinha sido construído ao redor de uma oliveira viva. Apenas quando, exasperado pela sua obstinação, descreveu a construção da cama é que Penélope ficou convencida que ele era realmente seu marido longamente desaparecido; atirou-se em seus braços e chorou. Então foram juntos para seu leito nupcial e finalmente puderam ficar um nos braços do outro; Ulisses contou a Penélope todas as suas aventuras e a noite continuou se estendendo, pois a deusa Atena retardou a aurora às praias deOceano.

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