Locke, John (1632-1704)

John Locke (Wringtown, 29 de agosto de 1632 — Harlow, 28 de outubro de 1704) foi um filósofo inglês e ideólogo doliberalismo, sendo considerado o principal representante do empirismo britânico e um dos principais teóricos do contrato social.

Locke rejeitava a doutrina das ideias inatas e afirmava que todas as nossas ideias tinham origem no que era percebido pelos sentidos. Escreveu o Ensaio acerca do Entendimento Humano, onde desenvolve sua teoria sobre a origem e a natureza de nossos conhecimentos. Suas ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke dizia que todos os homens, ao nascer, tinham direitos naturais: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado governos. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles. As pessoas podiam contestar um governo injusto e não eram obrigadas a aceitar suas decisões.

Dedicou-se também à filosofia política. No Primeiro tratado sobre o governo civil, critica a tradição que afirmava o direito divino dos reis, declarando que a vida política é uma invenção humana, completamente independente das questões divinas. NoSegundo tratado sobre o governo civil, expõe sua teoria do Estado liberal e a propriedade privada.

Biografia

Estudou medicina, ciências naturais e filosofia em Oxford, principalmente as obras de Bacon e Descartes. Em 1683, John Locke fugiu para os Países Baixos. Voltou à Inglaterra quando Guilherme de Orange subiu ao trono, em 1688. Faleceu em 28 de outubro de 1704, com 72 anos. Locke nunca se casou ou teve filhos.

Obra

Locke é considerado o protagonista do empirismo. Nega as ideias inatas, afirmando que a mente é uma tabula rasa, expressão latina que tem o sentido de "folha em branco.[1] Esta teoria afirma que todas as pessoas nascem sem saber absolutamente nada e que aprendem pela experiência, pela tentativa e erro. Esta é considerada a fundação do "behaviorismo".

A filosofia política de Locke fundamenta-se na noção de governo consentido dos governados diante da autoridade constituída e o respeito ao direito natural do ser humano, de vida, liberdade e propriedade. Influencia, portanto, as modernas revoluções liberais: Revolução Inglesa, Revolução Estadunidense e na fase inicial da Revolução Francesa, oferecendo-lhes uma justificação da revolução e a forma de um novo governo. Para fins didáticos, Locke costuma ser classificado entre os empiristas britânicos, ao lado de David Hume e George Berkeley, principalmente pela obra relativa a questões epistemológicas. Em ciência política, costuma ser classificado na escola do direito natural ou jusnaturalismo.

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Para Bernard Cottret, biógrafo de João Calvino, contrastando com a história trágica da brutal repressão aos protestantes em França noséculo XVI e a própria intolerância e zelo religioso radical de João Calvino em Genebra, o nome de John Locke está intimamente associado à tolerância. Uma tolerância que os franceses aprenderam a valorizar apenas na década de 80 do século XVII, quase às portas do Iluminismo. Como Voltaire afirmou, a tolerância é, para os franceses, um artigo de importação. Bernard Cottret afirma: a tolerância é o produto de um espaço geográfico específico, nomeadamente o noroeste da Europa. Ou seja: a Inglaterra e os Países Baixos. E ela é, no final, em especial, a obra de um homem - John Locke - a quem o século XVII dedica um culto permanente.[2]

Dentre os escritos políticos, a obra mais influente foi o tratado em duas partes, Dois Tratados sobre o Governo (1689). A primeira descreve a condição corrente do governo civil; a segunda parte descreve a justificação para o governo e os ideais necessários à viabilização. Segundo Locke, todos são iguais e, a cada um, deverá ser permitido agir livremente desde que não prejudique nenhum outro. Com este fundamento, deu continuidade à justificação clássica da propriedade privada ao declarar que o mundo natural é a propriedade comum de todos, mas que qualquer indivíduo pode apropriar-se de uma parte dele ao misturar o trabalho com os recursos naturais. Este tratado também introduziu o "proviso de Locke", no qual afirmava que o direito de tomar bens da área pública é limitado pela consideração de que ainda havia suficientes e tão bons e mais dos ainda não fornecidos podem servir, por outras palavras, que o indivíduo não pode simplesmente tomar aquilo que pretende, também tem de tomar em consideração o bem comum.

Em Ensaio acerca do Entendimento Humano (1690), Locke propõe que a experiência é a fonte do conhecimento, que depois se desenvolve por esforço da razão. Outra obra filosófica notável é Pensamentos sobre a Educação, publicado em 1693. As fontes principais do pensamento de Locke são: o nominalismo escolástico, cujo centro era a Oxford; o empirismo inglês da época; o racionalismodefendido por René Descartes e a filosofia de Malebranche.

A tolerância

Como filósofo político, Locke pode ser considerado um precursor da democracia liberal, dada a importância que atribui à liberdade e à tolerância. O que estava em jogo era, obviamente, a tolerância religiosa, contra os abusos do absolutismo.[3] De todo modo, suas ideias fundamentaram as concepções de democracia moderna e de direitos humanos tal como hoje é expressa nas cartas de direitos.[4].

Entretanto, para John Locke, essa liberdade não seria aplicável ao "homem primitivo", pois que os povos ditos primitivos não estariam associados ao restante da humanidade no uso do dinheiro [5] e poderiam ser equiparados a bestas de caça ou bestas selvagens,[6] (o que forneceu a base ideológica para a tomada das terras e o extermínio de populações indígenas) nem aos papistas (católicos, na expressão dos protestantes), que seriam como "serpentes, dos quais nunca se conseguiria que abrissem mão de seu veneno com um tratamento gentil" [7].

Reassalte-se que tal atitude em relação aos indígenas não era verificada em pensadores anteriores, como Bartolomé de las Casas e Montaigne, que, ao se referir às populações extra-européias, dizia "Acho que não há nessa nação nada de bárbaro e de selvagem, pelo que me contaram. A não ser porque cada qual chama de barbárie aquilo que não é de seu costume".[8]. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 307.

A tolerância não se aplicava tampouco as camadas que detinham menos recursos econômicos, para às quais Locke defendia algumas medidas severas, tais como:

§ Direcionar para o trabalho as crianças a partir de três anos, das famílias que não têm condições para alimentá-las [9].

§ Supressão das vendas de bebidas não estritamente indispensáveis e das tabernas não necessárias[10].

§ Obrigar os mendigos a carregar um distintivo obrigatório, para vigiá-los, por meio de um corpo de espantadores de mendigos, e impedir que possam exercer sua atividade fora das áreas e horários permitidos[11].

§ Os que forem surpreendidos a pedir esmolas fora de sua própria paróquia e perto de um porto de mar devem ser embarcados coercitivamente na marinha militar, outros pedintes abusivos devem ser internados em uma casa de trabalhos forçados, na qual o diretor não terá outra remuneração além da renda decorrente do trabalho dos internados[12].

§ Os que falsificarem um salvo-conduto para fugir de uma casa de trabalho, devem ser punidos com um corte de orelhas e, na hipótese de reincidência, com a deportação para as plantações, na condição de criminosos[13].

A defesa da escravidão

Locke é considerado pelos seus críticos como sendo "o último grande filósofo que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua"[14]. Ao mesmo tempo que dizia que todos os homens são iguais, Locke defendia a escravidão (sem distinguir que fosse a relativa aos negros).

Locke somente sustenta a escravidão pelo contrato de servidão em proveito do vencido na guerra que poderia ser morto, mas assume o ônus de servir em troca de viver. Ou seja, a questão da escravidão não é relevante no seu pensamento. Locke não defende a escravidão fundada em raça, mas somente no contrato com o vencido na guerra. Locke contribuiu para a formalização jurídica da escravidão na Província da Carolina, cuja norma constitucional dizia: "(...) todo homem livre da Carolina deve ter absoluto poder e autoridade sobre os escravos negros seja qual for a opinião e religião."[15] Seus críticos ainda afirmam que ele investiu no tráfico de escravos negros[16], enquanto acionista da Royal African Company[17].

Ao analisar essa questão, costuma-se ponderar a respeito do período histórico em que Locke viveu, assim como a época de outros grandes filósofos, a exemplo de Aristóteles, que foi o primeiro a fazer um tratado político defendendo a escravidão. Na época, a escravidão era uma prática comum, e isso classificaria Locke como um homem da época - o que não diminuiria a importância das suas ideias, revolucionárias em relação ao seu tempo.

Por outro lado observa-se que Jean Bodin, pensador francês, defensor do absolutismo, já era crítico do escravismo. Logo, a defesa do escravismo não era o único pensamento em voga na época de Locke.

Também é necessário lembrar que a defesa da escravidão decorre da defesa do direito de propriedade, um dos grandes ideais do liberalismo, e isso une Locke aos outros liberais clássicos - o direito de propriedade como um dos direitos naturais do ser humano.

A longa trajetória do liberalismo teve o exato início com John Locke, e é notório que as ideologias sofrem adaptações com o tempo e com as gerações posteriores. É óbvio que a defesa da escravidão não é inerente ao liberalismo. Entretanto pode-se perceber uma correlação entre aqueles que no passado defendiam a liberdade de possuir escravos, contra a turbação do direito de propriedade decorrente da intervenção estatal por meio de leis abolicionistas, e aqueles que hoje defendem a plena liberdade no contrato de trabalho, contra o intervencionismo estatal das leis trabalhistas.

Referências

1. ↑ Tabula se refere a uma superfície de pedra para se escrever, Rasa, feminino de Rasus, significa apagado, i.e. "em branco"

2. ↑ Cottret, Bernard. Calvin: A Biography. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans, 2000. 0-8028-3159-1, pg. 206. Traduzido para o inglês do original Calvin: Biographie, Edição de Jean-Claude Lattès, 1995.

3. ↑ Dossiê Tolerância, por Marcos Nobre e Denílson Luis Werle. Novos Estudos Cebrap, nº 84, julho de 2009, pp. 5-12.

4. ↑ John Locke. Carta Acerca da Tolerância Coleção Os Pensadores, Abril Cultural. Tradução de Anoar Aiex, p. 15.

5. ↑ Ver §45 de Two Treatises of Government/Book II

6. ↑ Ver § 11, §16 e §181 em Two Treatises of Government/Book II

7. ↑ "An Essay Concerning Toleration" (1667). In Political Writings, (org.) David Wooton, Penguin Books, London-New York, 1993, p. 202.

8. ↑ Montaigne e os canibais. Ensaios I, XXXI - Dos canibais

9. ↑ "Draft of a Representation Containing a Scheme of Methods for the Employment of the Poor. Proposet by Mr. Locke, the 26. October 1697". In Political Writings, (org.) David Wooton, Penguin Books, London-New York, 1993, p. 454.

10. ↑ "Draft of a Representation Containing a Scheme of Methods for the Employment of the Poor. Proposet by Mr. Locke, the 26. October 1697".In Political Writings, (org.) David Wooton, Penguin Books, London-New York, 1993, p. 447.

11. ↑ "Draft of a Representation Containing a Scheme of Methods for the Employment of the Poor. Proposet by Mr. Locke, the 26. October, 1697”. In Political Writings, David Wooton (org.), Penguin Books, London-New York, 1993, p. 460.

12. ↑ "Draft of a Representation Containing a Scheme of Methods for the Employment of the Poor. Proposet by Mr. Locke, the 26. October 1697". In Political Writings, (org.) David Wooton, Penguin Books, London-New York, 1993, p. 449.

13. ↑ "Draft of a Representation Containing a Scheme of Methods for the Employment of the Poor. Proposet by Mr. Locke, the 26. October 1697". In Political Writings, (org.) David Wooton, Penguin Books, London-New York, 1993, p. 449.

14. ↑ David B. Davis, The Problem of Slavery in the Age of Revolution, 1770-1823 (Ithaca, NY: Cornell University Press, 1975), p. 45, apud Domenico Losurdo, Contra-História do Liberalismo (Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2006 [editado em italiano em 2005]), p. 15.

15. ↑ The Fundamental Constitutions of Carolina : March 1, 1669. One hundred and ten - Every freeman of Carolina shall have absolute power and authority over his negro slaves, of what opinion or religion soever.

16. ↑ Ver Domenico Losurdo, Contra-História do Liberalismo, pp. 15-16.

17. ↑ Ver Domenico Losurdo, idem, p 28.

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