Platão e a Filosofia da Educação

O pensamento filosófico de Platão se desenvolve em consonância com sua visão educativa, a qual é apresentada principalmente nos diálogos A República e As leis. Tendo por objetivo a fundação mental de um Estado perfeito, Platão propõe, em A República, que se dê atenção especial à formação dos "guardiães", cuja função social é a defesa da cidade.

O longo processo educativo que envolve a formação dos guardiães tem como pilares duas artes bastante valorizadas pelos gregos: a música (que engloba também a poesia) e a ginástica. Discorrendo sobre a educação musical, Platão defende a instituição de uma censura com relação aos poemas épicos e trágicos que fazem menção aos atos divinos de natureza "não digna", como por exemplo a vingança. Partindo do princípio de que a divindade é boa em sua essência, o filósofo ateniense julga ser danoso à formação moral dos guardiães o conhecimento desses relatos, que considera mentirosos. Quanto à educação do corpo, ele diz ser preciso tomar por modelo a ginástica militar espartana, que tem por base exercícios físicos e prescreve o rígido controle sobre os prazeres. Assim, para Platão, as refeições deveriam ser frugais e sempre realizadas coletivamente, de modo a reprimir os excessos motivados pela gula.

A grande articulação entre esses dois tipos de educação constitui a espinha dorsal da formação dos futuros guardiães. Mas como escolher, dentre eles, o mais apto para governar a cidade? Platão entende ser necessário submeter os educandos a duras provas de habilitação, as quais incluem avaliação da faculdade mnemônica, da resistência à dor e à sedução e da capacidade demonstrada na execução de trabalhos árduos. Os aprovados nesses exames devem prosseguir no processo educativo, estudando matemáticas e, posteriormente, dialética. Aos reprovados cabe trabalhar para a comunidade, prestando os mais diversos serviços: comércio, manufatura de bens de consumo, etc.

A formação dos guardiães e, em particular, do governante, exige, posteriormente, dedicação e esforços ainda maiores por parte dos educandos. Assim como nossos olhos não conseguem contemplar o sol, fonte de toda luz do mundo visível, o Bem, idéia suprema que governa o mundo supra-sensível, não pode ser contemplado se os olhos da alma não forem cuidadosamente preparados para esse fim. A situação, ilustrada pela bem conhecida alegoria da caverna, prevê que o homem possa se libertar dos conhecimentos falsos, enganosos, gerados pela opinião (doxa), que são apenas sombras ou simulacros dos conhecimentos verdadeiros. Tal ruptura, porém, não é imediata, pois aquele que foi acostumado a viver nas sombras, quando olha pela primeira vez o sol, tem sua vista ofuscada e se recusa a continuar a observá-lo. O mesmo se dá com respeito às verdades e à idéia do soberano Bem. Por essa razão, os estudos a serem feitos posteriormente (matemáticas e dialética) devem prosseguir por muitos anos a fim de revelar quem possui alma de filósofo. Segundo assinala Werner Jaeger (1995, p. 841-842), para Platão o verdadeiro espírito filosófico é aquele que não se deixa perturbar pela variedade das opiniões, tendo como meta alcançar a unidade na diversidade, isto é, "ver a imagem fundamental, universal e imutável das coisas: a idéia".

A educação que revela, para o conjunto dos cidadãos, o melhor governante é uma ascese espiritual: a alma que atinge o topo do conhecimento se acha em plenas condições de governar, mas não deve se julgar superior aos demais homens e mulheres. Ao contrário, deve retornar ao mundo de sombras em que eles vivem e, graças ao seu olhar mais acurado, ajudá-los a ver com maior nitidez no escuro. O rei-filósofo não tem, portanto, como ideal de felicidade chegar ao poder para ser honrado por sua sabedoria ou para adquirir prestígio e riqueza; ele não cultiva qualquer tipo de orgulho e é feliz por ser o educador maior de todos, aquele que governa para fazer de seus concidadãos homens e mulheres melhores.

No diálogo As Leis, provavelmente o último escrito por Platão, o Estado ideal é fundado na ilha de Creta, sendo também uma construção mental, e tem por nome "Magnesia". Se na República o filósofo ateniense entendia que a palavra do rei-filósofo poderia ser considerada justa e a melhor expressão das leis, em "Magnesia" ele vê as leis escritas como algo de suma importância, sobretudo devido ao conteúdo educativo que possuem: o espírito de uma lei deve envolver a alma do cidadão como verdadeiro ethos, isto é, deve fazer com que o respeito seja dado em função do papel que a lei cumpre no aprimoramento da coesão social e não em função do temor com relação às punições que prescreve.

Para Platão, toda lei tem um fundamento transcendente, que é a própria divindade. Deus é a "norma das normas, medida das medidas" (ibid, p. 1341). Na República, o princípio universal supremo é a idéia do Bem, que agora, nas Leis, acaba por coincidir com a própria mente divina. A divindade se apresenta como o legislador dos legisladores, mantendo com o homem uma relação eminentemente pedagógica: assim como toda boa fonte sempre faz jorrar águas saudáveis, Deus sempre prescreve o que é justo; Ele é, portanto, o "pedagogo universal" (ibid, p. 1343).

A partir daí, Platão passa a dar mais atenção à extensão dos processos educativos, ou seja, já não interessa tanto quem a educação irá apontar como apto para governar, mas quantos serão bem formados para o exercício da vida cívica. Assim, Platão defende que a educação tenha caráter público e que seja ministrada em prédios construídos especialmente para esse fim, onde meninos e meninas recebam igual instrução. Esta, por sua vez, precisa ser iniciada o mais cedo possível, sendo sugerida às crianças pequenas (na faixa etária de três a seis anos) a prática de diferentes jogos, inventados por elas mesmas ou não. Para as crianças mais velhas, Platão recomenda que pratiquem sempre os mesmos jogos com as mesmas regras, pois quem se habitua a ser regido por princípios bons não terá, no futuro, necessidade de alterar as leis e convenções aprovadas pela comunidade.

Na medida em que a educação assume papel de destaque na formação dos cidadãos, torna-se crucial supervisioná-la. Tal tarefa cabe a um ministro da educação altamente qualificado, o qual deve ter no mínimo cinqüenta anos e ser indicado - por votação secreta, realizada no templo de Apolo - entre os mais competentes funcionários da administração pública, mas o escolhido não pode ser membro do Conselho Noturno.

O governo proposto por Platão em As Leis é um sistema que combina elementos da aristocracia e da democracia. A administração do Estado é exercida por diferentes escalões de funcionários, acima dos quais figura o Conselho Noturno, composto pelos servidores mais idosos e notáveis. Este Conselho não é eleito pelos cidadãos, mas seus membros podem ter sido escolhidos, por via eletiva, para ocupar os cargos públicos que antes exerciam. As principais funções do Conselho Noturno são:

  1. desenvolver estudos filosóficos visando a mais completa compreensão das leis que regem o Estado
  2. Fazer intercâmbio com filósofos de outras cidades a fim de aprimorar as leis existentes em "Magnésia"
  3. Zelar para que os princípios filosóficos e legais respeitados pelos conselheiros no exercício de suas funções se difundam para o conjunto dos cidadãos.

Segundo Jaeger (op. cit.), embora surpreendente em alguns aspectos, a proposta político-pedagógica de Platão não se modifica substancialmente em relação a que fora apresentada na República porque os conselheiros cumprem papéis análogos aos dos guardiães: são os supremos defensores e os principais difusores da virtude.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

JAEGER, Werner. Paidéia – A formação do homem grego. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

PLATÃO. La République. Paris: Garnier-Flammarion, 1966.

______. The Laws. London: Peguin Books, 1975.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Rachel Gazolla de. Platão: O Cosmo, o Homem e a Cidade. Petrópolis: Vozes, 1993.

CHATELET, François. El pensamiento de Platón. Barcelona: Nueva Colección Labor, 1973.

KOYRÉ, Alexandre. Introduction à la Lecture de Platon. Paris: Gallimard, 1962.

OLIVEIRA, Renato José de. Utopia e Razão: pensando a formação ético-política do homem contemporâneo. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

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