Por este termo, entende-se Em geral qualquer resposta à pergunta: o quê? P. ex., nas expressões "Quem foi Sócrates? Um filósofo", "O que é o açúcar? Uma coisa branca e doce", "O que é o homem? Um animal racional", as palavras "um filósofo", "uma coisa branca e doce", "um animal racional" exprimem a E. das coisas a que se faz referência nas respectivas perguntas. Algumas dessas respostas limitam-se a indicar uma qualidade do objeto (p. ex., a de ser branco e doce), ou um caráter (como o de ser filósofo) que o objeto também poderia não ter. Outras, como p. ex. a que afirma que o homem é um animal racional, parecem indicar algo a mais, um caráter que qualquer coisa chamada"homem" não pode não possuir e que, por isso, é um caráter necessário do objeto definido. Nesse último caso, a resposta à pergunta o quê? não enunciou simplesmente a E. da coisa, mas sua E. necessária ou sua substância, e pode ser assumida como sua definição. Portanto, deve-se distinguir: ls a E. de uma coisa, que é qualquer resposta que se possa dar à pergunta o quê? 2") a E. necessária ou substância, que é a resposta (à mesma pergunta) que enuncia o que a coisa não pode não ser e que é o porquê da coisa, como quando se diz que o homem é um animal racional, pretendendo-se dizer que o homem é homem porque é racional. Os fundamentos que expusemos foram estabelecidos pela primeira vez por Aristóteles, que é o fundador da teoria da E., assim como é fundador da teoria da substância. É verdade que Aristóteles encontrava os precedentes dessa teoria em Platão, que por sua vez a atribuía a Sócrates. "Enquanto eu te pedia que me definisses a virtude inteira", censura Sócrates a Mênon, "tu evitas dizer-me o queela é e afirmas que toda ação é virtude, se realizada com uma parte de virtude, como se tu já houvesses dito o que é a virtude na sua inteireza e eu devesse reconhecê-la mesmo depois de a reduzires a cacos" (Men., 79 b). Nessas palavras, exigir que Mênon diga o que é a virtude em sua inteireza é exigir que ele enuncie a E. necessária, ou o que a virtude não pode não ser em qualquer circunstância. É a isso, exatamente, que Aristóteles dará o nome de substância. Mas nem toda E., ou seja, nem toda resposta à pergunta o quê?é uma definição desse tipo. Diz Aristóteles: "Quem indica a E. ora indica a substância, ora uma qualidade, ora uma de outras categorias. Quando, referindo-se a um homem, se diz que ele é um homem ou um animal, entende- se sua E. como substância. Mas quando, referindo- se à cor branca, diz-se que é branca ou é uma cor, entende-se a E. como qualidade. Igualmente, quando se faz referência à grandeza de um côvado, afirmando que ela é a grandeza de um côvado, entende-se que sua E. é quantidade. O mesmo se diga nos outros casos" (Jop., I, 9, 103 b 27). Em outro trecho, Aristóteles contrapõe nitidamente a E. substancial à E.: "O enunciado sempre se refere a alguma coisa, assim como a afirmação, e é sempre verdadeiro ou falso; mas o intelecto não é assim, sendo verdadeiro quando enuncia a E. segundo a E. substancial, e não verdadeiro quando a enuncia relativamente a alguma coisa" (De an., III, 6, 430 b 26). Com isso, ele não põe no mesmo plano todas as respostas que podem ser dadas à pergunta "o quê?" Se à pergunta "O que és?" um homem responcie "músico", sua resposta não exprime realmente o que ele é por si mesmo, sempre e necessariamente, ou seja, na sua substância. De fato, ele poderia muitíssimo bem não ser músico, e, havendo começado a sê-lo, pode deixar de sê-lo. Mas, se responder que é "um animal racional", então estará expressando o que não pode não ser ou o que é necessariamente como homem. Exprime, portanto, o que Aristóteles chama de to ti en einai(quodquideratesse), que é a substância considerada à parte de seu aspecto material (Mel, VII, 7, 1032 b 14). Esta segunda resposta é a única que pode valer como definição da E. do homem, ao passo que todas as outras possíveis determinações de E. não valem como definição porque não dizem o que o homem é de per si ou necessariamente (Ibid., VII, 4,1029 b 13). Também por isso só a E. necessária ou substância é o verdadeiro objeto do saber ou da ciência. Sobre estes fundamentos Aristóteles assenta a estrutura necessária da realidade, que é o objeto específico da teoria da substância (v.). As considerações precedentes mostram que a teoria da E., embora diferente da teoria da substância, pode conduzir a ela e ser considerada uma propedêutica dela. Portanto, não é de estranhar que, na evolução histórica do termo, seu significado muitas vezes tenha sido idêntico ao de E. substancial ou substância. Mesmo a linguagem comum, na qual freqüentemente se sedimenta o significado filosófico de uma longa tradição, emprega esse termo quase exclusivamente no sentido de E. necessária. Deveremos então ter em mente a distinção entre os dois significados já enunciados, que Aristóteles ilustrou perfeitamente: ls a E. como resposta à pergunta "o quê?"; 2° a E. como substância. 1° O significado geral e fundamental desse termo pode ser admitido também por filósofos que não compartilham a teoria da substância. Mas os estóicos, que não admitiram a teoria da substância, evitaram (ao que saibamos) o termo "essência". Para eles, a definição não manifesta a E. de uma coisa, mas foi definida (por Crisipo) como "resposta" (apódosis). Com isso, deram a entender que qualquer resposta à pergunta "o quê?" pode ser considerada definição da coisa sobre a qual se faz a pergunta. Com efeito, diziam que a descrição "é um discurso que conduz à coisa através de suas pegadas" (DIÓG. L, VII, 1, 60), vendo assim nos enunciados lingüísticos um modo de orientar-se em relação às coisas, e não a expressão da substância das coisas. Desse ponto de vista, nem sequer se apresenta a possibilidade de passar da teoria da E. para a teoria da substância. Uma proposição ou um enunciado qualquer nada exprime que possa referir-se à substância e, portanto, declarar-se essencial ou acidental em relação a ela, dedutível ou não dedutível dela, mas exprime simplesmente um estado de fato, que, se é como se diz, verifica a proposição ou, se não é, torna-a falsa. P. ex., a proposição "é dia" é verdadeira se é dia; falsa, se não é dia (DIÓG. L., VII, 65). Em outros termos, a relação predicativa (ou o significado predicativo de ser [v.]) deve ser entendida, desse ponto de vista, como uma relação de fato que remete à identidade verificável entre o objeto significado pelo sujeito e o objeto significado pelo predicado, e não como uma relação de inerência ou pertinência, ou como uma relação qualquer que implique conexão substancial ou necessária. Quando, a partir do séc. XIII, começou a prevalecer a orientação estóica da lógica, até então quase obliterada pela orientação aristotélica, aparecendo o que se chamou de via moderna, ou terminista (em oposição à via antiga, aristotélica), o significado da cópula foi explicitamente definido em oposição ao significado que fora atribuído à cópula com base na teoria da substância. Assim, Alberto da Saxônia, depois de distinguir o significado existencial do significado predicativo do verbo é, diz a propósito deste último: "Quando o verbo aparece como terceiro constituinte [da proposição, isto é, como cópula dos outros dois], significa certa composição do predicado em relação ao sujeito, graças à qual sujeito e predicado estão pelo mesmo objeto" (Log., I, 6). Essa doutrina será repetida com freqüência durante o séc. XIV (cf., p. ex., BURIDAN, Sophismata, cap. 2, concl. 10), mas é Ockham que mostra claramente seu significado, ao mesmo tempo polêmico e positivo: "Proposições como 'Sócrates é homem' ou 'Sócrates é animal' não significam que Sócrates tem humanidade ou animalidade, nem significam que a humanidade ou a animalidade está em Sócrates, nem que Sócrates é homem ou animal, nem que o homem ou o animal é uma parte da substância ou da essência de Sócrates, ou uma parte do conceito ou da substância de Sócrates. Significam apenas que Sócrates é na realidade um homem e é na realidade animal, não no sentido de que Sócrates é esse predicado 'homem' e esse predicado 'animal', mas no sentido de que existe alguma coisa pela qual estão o predicado homem e o predicado animal: como quando acontece que esses dois predicados estão por Sócrates" (Summa log., II, 2). Essa contraposição da teoria da suposição à teoria da inerência é apenas um aspecto da contraposição da teoria da E. à teoria da substância. E tal contraposição na realidade é a mesma entre a formulação da lógica estóica e a da lógica aristotélica: a primeira fundada na enunciabilidade das situações de fato ("É dia" é verdadeiro se for dia); a segunda fundada na enunciabilidade da substância ("O homem é animal racional" porque a racionalidade é a essência necessária do homem). Depois disso, é fácil seguir as etapas principais dessa linha de interpretação da noção de E. na filosofia moderna e contemporânea. O problema criado pela desvinculação entre teoria da E. e teoria da substância é o da possibilidade de certa hierarquia entre as determinações se atribuídas a uma entidade qualquer, visto que nenhuma dessas determinações pode ser considerada necessária. Parece, p. ex., que no significado da palavra "homem" está muito mais implícita a "racionalidade" do que a determinação de "bípede". Mas como pode isso acontecer se não existem determinações necessárias ou substanciais, se não se pode dizer que a racionalidade é "inerente" ao homem? A resposta que a teoria da E. dá a este problema está contida na noção de E. nominal. Hobbes, p. ex., diz que a E. é simplesmente "o caráter (accidens) graças ao qual damos nome ao objeto" (De corp., 8, § 23). Essa doutrina é exposta e defendida por Locke, graças a quem se torna predominante na filosofia do iluminismo. Locke diz que a E. "nada mais é que a idéia abstrata à qual é associado o nome de uma espécie; por isso, tudo o que está contido nessa idéia é essencial à espécie". E acrescenta: "Embora esta seja toda a E. das substâncias naturais que conhecemos ou com a qual as distinguimos em tantas espécies eu lhe darei o nome particular de E. nominal, para distinguila da constituição real das substâncias, de que depende essa E. nominal juntamente com todas as propriedades da espécie dada; por isso [a constituição das substâncias] poderá ser chamada de E. real" (Ensaio, III, 6, 2). A E. real é a substância no genuíno sentido aristotélico, como constituição ou forma que deveria explicariodas as qualidades ou caracteres de uma realidade e mostrá-los em suas interconexões necessárias (Ibid., 4, 9), mas, segundo Locke, tal E. real é inacessível ao homem. A doutrina da E. nominal foi a base da lógica moderna. Stuart Mill repete-a dizendo: "Proposição essencial é a proposição puramente verbal que afirma de uma coisa, sob um nome particular, só o que é afirmado sobre ela pelo próprio fato de chamá-lo por esse nome, e que, por isso, não dá nenhuma informação ou só a dá em relação ao nome, não à coisa" ÍLog., I, VI, § 4). Com poucas variantes, essa doutrina é repetida na lógica contemporânea. C. I. Lewis diz: "Tradicionalmente, diz-se que todo atributo exigido para a aplicação de um termo pertence à E. da coisa nomeada. Sem dúvida, não tem significado falar da E. de uma coisa, a não ser relativamente ao fato de ela ser denominada por um termo particular" (Anafysis of Knowledge and Valuation, p. 41). E Quine, sublinhando a diferença entre a doutrina aristotélica da E. como substância e a "doutrina do significado", observa: "Deste último ponto de vista, pode-se concordar (ainda que só para discutir) que no significado da palavra 'homem' está implícita a racionalidade, mas não o fato de ter duas pernas; contudo, pode-se considerar que ter duas pernas está implícito no significado de 'bípede', ao passo que a racionalidade não. Do ponto de vista da doutrina do significado, não faz sentido dizer de um indivíduo real, que é ao mesmo tempo homem e bípede, que sua racionalidade é essencial e que o fato de ter duas pernas é acidental ou vice-versa. Para Aristóteles, as coisas têm E., mas só as formas lingüísticas têm significado. Significado é aquilo que a E. se torna quando se divorcia do objeto de referência e se casa com a palavra" (From a Logical Point ofVietv, II, 1). Por outro lado, mesmo utilizando amplamente a noção de essência em sua obra A visão lógica do mundo (onde, aliás, fala em "E. constitutivas"), Carnap reduz o significado de E. de um objeto ao critério de verdade das proposições das quais os signos desse objeto possam fazer parte (Aufbau, § 161). Pode-se dizer, portanto, que a teoria da E. se resolve inteiramente na teoria do significado (v.). Por E. hoje não se entende nada mais do que a regra do uso correto de um termo. Embora não tenha em mira uma teoria do significado, o uso que Santayana fez desse termo E. vincula-se a este seu significado. As E. são os objetos da atividade cognoscitiva: constituem um reino infinito de que faz parte tudo o que pode ser percebido, imaginado, pensado ou, de algum modo, experimentado; não existem em nenhum espaço ou tempo, não têm substância nem lados ocultos, mas seu ser resolve-se em seu aparecer (The Realm of Essences, 1927). As E. constituem um dos termos do dualismo metafísico de Santayana: o outro é a existência, que ele identifica com a matéria. Mas justamente por se distinguirem da existência, e portanto de qualquer forma de ação ou de energia, as E. não se concatenam entre si e não implicam nenhuma necessidade nem nenhuma forma de ser, mas permanecem puros objetos de intuição. Esta doutrina das E. de Santayana pode ser considerada a última utilização metafísica da teoria da essência. 2- A teoria da E. como substância pode ser caracterizada como a que restringe o uso da palavra E. para indicar a E. necessária ou substancial. Aristóteles, como se viu, não identificara as duas coisas, embora se possa dizer que para ele a "verdadeira" E. de uma coisa, que a define em seu modo de ser, é a E. necessária. A identificação de E. com substância encontrase já em Plotino, que a relaciona com o estado das coisas no mundo inteligível, ou seja, no Nous divino, mas não só com esse estado. Diz: "Aqui, tudo está na unidade, de tal modo que são idênticos a coisa e o porquê da coisa... Na verdade, o que poderia impedir esta identidade e impedir que ela constitua a substância de cada ser? Assim é necessariamente, como vê quem procura compreender a E. necessária" (Enn., VI, 7, 2). No séc. XIII, ao procurar esclarecer a confusa terminologia com que a filosofia medieval até aquele momento traduzira os termos aristotélicos, S. Tomás fixava os significados seguintes, que implicam a redução da doutrina da E. à da substância: "E. significa algo que é comum a todas as naturezas em virtude das quais entes diferentes são colocados em diferentes gêneros e espécies, assim como a humanidade é a E. do homem, e assim por diante. Mas, como aquilo em virtude do que a coisa se constitui no gênero e na espécie é o que se entende como a definição que indica o que a coisa é, os filósofos substituíram a palavra E. por qüididade, esse é o motivo pelo qual o Filósofo, no VII da Metafísica, freqüentemente fala do quod quid erat esse, vale dizer, aquilo em virtude do que alguma coisa é o que é." A qüididade, acrescenta S. Tomás, também é chamada de forma ou natureza, entendendo-se por este último termo "a E. da coisa segundo a ordem ou a ordenação que ela tem para a sua própria atuação, porquanto coisa nenhuma há desprovida de uma atuação própria. O termo qüididade, porém, é assumido como aquilo que é significado pela definição; o termo E. significa que por ela e nela a coisa tem ser" (De ente et essentia, 1). Esta última distinção não se mantém inalterada em S. Tomás, que, em outro trecho, entende por E. "propriamente o que é significado pela definição" (5. Th., I, q. 29, a. 2). Mas durante muitos séculos essas determinações tomistas serviram de fundamento para todas as teorias da substância, que devem ser estudadas em seu lugar próprio, o verbete SUBSTÂNCIA. Embora não conduza para uma teoria da substância, a acepção que Husserl atribui ao termo E. tem conexão com este seu segundo significado: "E. caracterizou sobretudo o que se encontra no ser próprio de um indivíduo como seu quid. Mas cada quid pode ser 'posto em idéia'. Uma visão empírica ou individual pode ser transformada em visão da E. (ideação), possibilidade que, esta sim, não deve ser entendida como empírica, mas como essencial. O objeto intuído consistirá, portanto, na correspondente E. pura ou eidos, que pode ser tanto uma categoria superior quanto uma particularização, até à concretude completa" (Ideen, I, § 3)- Para Husserl, E. é a E. necessária ou substancial de Aristóteles; é captada por um ato de intuição, análogo à percepção sensível (Ibid., § 23). Esta talvez seja a utilização mais moderna do antigo conceito aristotélico de E. substancial (v. DEFINIÇÃO; SER).
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário