ÁTOMO

A noção de Á. ofereceu à
filosofia ocidental uma das mais importantes alternativas de especulação e de pesquisa. Foi
o instrumento principal da explicação mecânica
das coisas e, em geral, do mundo (v. MECANISMO).
Leucipo e Demócrito elaboraram a seguinte
noção do séc. V a.C: o Á. é um elemento
corpóreo, invisível pela sua pequenez e não
divisível. Os A. diferem só pela forma e pela
grandeza; unindo-se e desunindo-se no vácuo,
determinam o nascimento e a morte das coisas,
e dispondo-se diferentemente determinam a sua
diversidade. Aristóteles (Mel, I, 4, 985 b 15 ss.)
comparou-os às letras do alfabeto, que diferem
entre si pela forma e dão lugar a palavras e a
discursos diferentes, dispondo-se e combinando-
se diferentemente. As qualidades dos corpos
dependem, portanto, da configuração, da
ordem ou do movimento dos Á. Por isso, nem
todas as qualidades sensíveis são objetivas e
pertencem realmente às coisas que as provocam
em nós. São objetivas as qualidades próprias
dos A.: forma, dureza, número, movimento;
mas o frio, o calor, os sabores, as cores, os
odores são somente aparências sensíveis, provocadas
por configurações ou combinações
especiais de A., mas não pertencentes aos próprios
Á. (DEMÓCRITO; Fr. 5, Diels). O movimento
dos Á. é determinado por leis imutáveis: "Nada,
diz Leucipo (Fr. 2), "ocorre sem razão, mas tudo
ocorre por uma razão e por necessidade". O
movimento originário dos A., fazendo-os girar
e chocar-se em todas as direções, produz um
vórtice que leva as partes mais pesadas para o
centro e impele as outras para a periferia. Seu
peso, que os faz tender para o centro, é, pois,
um efeito do seu movimento vorticoso. Desse
modo, formam-se infinitos mundos que, incessantemente,
se geram e se dissolvem.

Esses fundamentos, próprios do velho atomismo,
permaneceram inalterados nas outras
formas de atomismo. A física de Epicuro representa
uma repetição da física de Demócrito: na
verdade, não tem muita importância a variante
de Epicuro, segundo a qual os Á. caem em
linha reta e que se encontram e produzem vórtices,
quando, sem causa, se desviam da trajetória
retilínea (CÍCERO, Definibus, I, 18; De nat.
deor, I, 69). A noção de Á. não é utilizada
durante toda a Idade Média, quando a única
teoria aceita é a aristotélica, das quatro causas
(v. FÍSICA). NOS primórdios da Idade Moderna,
embora essa noção retorne ocasionalmente —
p. ex., em Nicolau de Cusa e em Giordano
Bruno (De minimo, I, 2) —, só é utilizada como
instrumento de uma teoria sistemática por Pierre Gassendi. Este, porém, admitindo que os Á. são
criados por Deus, por Ele dotados de movimento
e por Ele guiados e ordenados mediante
uma espécie de alma do mundo, retira da física
epicurista seu caráter materialista e mecânico,
transformando-a em física espiritualista e finalista
(Syntagma Philosophiae Epicuri, 1658). Entrementes,
Descartes dera ensejo ao mecanicismo
não-atomístico e considerara impossível a própria
noção de Á. "Se os átomos existissem, deveriam
necessariamente ser estendidos e, nesse
caso, por menores que os imaginássemos,
sempre poderíamos dividi-los com o pensamento
em duas ou mais partes menores e, assim, considerá-
los divisíveis" (Princ. pbil, II, 20). Foi
provavelmente baseado nessa consideração que
Leibniz aceitou a noção de um Á. não mais
físico, mas psíquico, isto é, da mônada (v.).

A ciência moderna, embora mecanicista, não
se vale, em princípio, do átomo. É verdade que,
no final de Óptica (1704), Newton aduzia um
complexo de razões, isto é, de experiências,
para admitir que "todos os corpos são compostos
de partículas duras"; e formulava a hipótese
de que "Deus, no princípio, tenha dado à matéria
a forma de partículas sólidas, dotadas de
massa, duras, impenetráveis e móveis, com dimensões,
configurações, propriedades e proporções
com o espaço adequadas a cada fim
para o qual as formou" (Optics, III, 1, q. 31); mas
é também verdade que essas e semelhantes
especulações não pertenciam à ciência, mas à
esfera das opiniões particulares do cientista.
Na realidade, a hipótese atômica ingressa na
ciência só no início do séc. XIX, por meio da
química. A lei das proporções múltiplas, formulada
por John Dalton, exprimia o fato de
que, quando uma substância se combina com
quantidades diferentes de outra substância, estas
quantidades estão entre si como números
simples, isto é, comportam-se como se fossem
partes indivisíveis. Mas as partes indivisíveis outra
coisa não são senão átomos. Portanto, a hipótese
da composição atômica da matéria como
explicação da lei das proporções múltiplas era
proposta pela primeira vez por Dalton em 1808.
Embora suscitasse, imediatamente, uma oposição
acirrada por aparecer como o retorno de
uma antiga doutrina metafísica, portanto, como
uma invasão do campo da metafísica por parte
da ciência, na realidade essa era uma hipótese
aventada para explicar um fato bem verificado.
E mais do que hipótese, essa noção mostrou-se
realidade quando, em 1811, a teoria de Avogadro (sobre a uniformidade do número das partículas
contidas em dado volume de gás) permitia
estabelecer o peso dos A. relativamente ao A.
do hidrogênio, assumido como unidade: o que
conferia aos A. realidade física (mensurável). A
noção de Á. devia sofrer transformação radical
a partir da segunda metade do séc. XIX, com o
estudo dos fenômenos dos gases rarefeitos e
das emanações radioativas. OÁ., indivisível para
a química, não era mais indivisível para a física.
Por volta de 1904, Thompson concebia o primeiro
modelo de Á., imaginando-o constituído
por uma pequena bola com carga elétrica positiva,
em cujo interior houvesse certo número
de elétrons. Mas algumas experiências de
Rutherford demonstravam que a matéria é bem
menos compacta do que levaria a supor o modelo
atômico de Thompson. Por isso, Rutherford,
por volta de 1911, imaginava a estrutura do Á.
como um sistema solar em miniatura, constituído
por um núcleo central com carga elétrica
positiva (comparável ao Sol) e por vários elétrons
que giram em torno dele (comparáveis
aos planetas). Uma inovação ulterior do modelo
do Á. foi feita por Bohr, que, tendo em mente
a descoberta do quantum de ação, imaginou
que o elétron percorre, em torno do núcleo,
determinado número de elipses e pode saltar
de uma elipse para outra, libertando nesse salto
um quantum de energia. A descoberta do
princípio de indeterminação (v.) demonstrava,
porém, que não é possível observar por
inteiro a trajetória de um elétron e que, por
isso, a própria noção de trajetória não tem significado
físico (nada que não seja observável
ou mensurável tem significado físico). Mas, então,
o próprio modelo de Á. de Bohr perdia significado
físico e deixava de ter a pretensão de ser
a imagem exata do Á. A partir de 1927, isto é,
da data em que Heisenberg descobriu o princípio
de indeterminação, a ciência praticamente
abandonou qualquer tentativa de descrever
o Á. ou de defini-lo de um modo qualquer. No
estado atual das coisas, o adjetivo "atômico"
permanece somente para designar a escala em
que certos fenômenos podem ser observados
e medidos.

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