Naturalismo e Normatividade: Algumas Questões acerca da Epistemologia Naturalizada*

Christopher Hookway

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É ainda uma objeção costumeira tentar defender abordagens naturalizadas da epistemologia que falham em apontar algumas das questões mais fundamentais que motivam, em primeiro plano, as investigações epistemológicas. Para fins ilustrativos, considere a proposta de Quine de que a epistemologia deveria ser transformada numa parte da psicologia cognitiva. Então a objeção é:

A psicologia cognitiva só pode descrever e explicar os modos nos quais nossas faculdades cognitivas de fato operam.

A epistemologia está relacionada à avaliação de nossas práticas cognitivas; entre outras coisas, descreve normas epistêmicas e tentativas de resolver se elas são legítimas ou ilegítimas.

Admitida a premissa adicional de que uma explicação descritivo-explanatória de uma prática não pode legitimá-la de nem defender normas para serem usadas ao se exercê-la, a ansiedade comum é facilmente compreendida.

O assunto aqui tratado está obviamente relacionado a uma tradição de debate muito mais antiga sobre o naturalismo na ética. A falácia naturalista, supostamente a falácia de tentar justificar por normas ('deveres') em termos de propriedades naturais dos agentes e seu ambiente, deveria ser evitada, ao que parece, tanto no caso de normas epistêmicas como no caso de normas éticas. Qualquer descrição ou explicação de nossas práticas podem, parece, suscitar a questão normativa sobre o que é bom ou desejável para que nossas crenças e atividades devam ser estruturadas desse modo.

Por razões que se tornarão claras no que se segue, não direi muito sobre o que penso por 'naturalismo'. A posição pode abranger uma ampla gama de visões - como se pode notar do fato de que Donald Davidson, que presumivelmente está comprometido com um tipo de realismo não-redutível sobre normas, esteja satisfeito em descrever seu próprio trabalho como uma 'epistemologia naturalizada'. Um compromisso naturalista mínimo sustentaria que uma abordagem científica adequada da vida humana e da racionalidade não deve fazer afirmações que entrem em conflito com afirmações de que somos objetos materiais e de que nossas faculdades e capacidades são o resultado da seleção natural: não há nada 'sobrenatural' no nosso funcionamento que requeira a crença de que somos parcialmente isentos de modelos explicativos biológicos familiares. Uma posição mais forte (algumas vezes defendida por Quine) poderia assegurar que as necessidades filosóficas que nos incitam a pensar sobre a mente, a cognição e a racionalidade podem ser satisfeitas completamente pela pesquisa nas ciências específicas - por exemplo, na psicologia. Uma posição intermediária (também algumas vezes defendida por Quine) assegura que essas necessidades podem sempre ser conhecidas por investigações a posteriori, que são científicas em sentido amplo (Quine incluiria a História). Embora não seja de modo algum óbvio que o compromisso mínimo requeira um tal 'anti-apriorismo', minha preocupação neste ensaio será com posições que o fazem.

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Antes de procurarmos respostas à acusação de que uma epistemologia genuinamente naturalista não consegue resolver certas questões normativas fundamentais, devemos tentar ver o quais são essas exigências normativas.

Uma questão inicial é a seguinte: as necessidades normativas de quem devem ser consideradas? Duas possibilidades surgem aqui. Primeira: poderia alguém, cuja perspectiva seja inteiramente naturalista, encontrar-se frente a prementes questões normativas no curso de suas reflexões que não pudessem ser respondidas sem comprometer seu naturalismo? Uma variante nesta questão é: pode alguém que se opôs a um substancial conhecimento a priori encontrar-se frente a questões normativas no curso de suas reflexões que só poderiam ser respondidas por meio de uma epistemologia a priori? Se qualquer uma destas questões tiver uma resposta afirmativa, então uma abordagem naturalista para questões de epistemologia e racionalidade estaria em sérias dificuldades. Se nenhuma delas tiver, então um filósofo de inclinação naturalista poderia justificar para si mesmo os padrões de racionalidade e cognição que aplica. A segunda possibilidade, aparentemente mais forte, exigiria de nosso naturalista que ele pudesse conhecer alguém a quem faltasse uma perspectiva amplamente naturalista de que uma epistemologia naturalista fosse uma adequada explicação filosófica do conhecimento. Isto parece uma exigência não razoável, a menos que possa ser mostrado que a legitimação de um sistema de normas satisfaz a condição inicial somente se satisfizer a segunda. Se isto é assim ou não irá depender de alguns pontos de vista sobre como e quando surgem questões normativas no curso da reflexão.

Uma segunda questão decorre daí. É um assunto controverso se uma epistemologia adequada deva ser capaz de controlar os desafios suscitados pelo ceticismo 'tradicional' (cartesiano). Quine descreve alguém que está preocupado com tais possibilidades como 'sobre-reação', e ele sente claramente que elas não são sérias. Eu não as discutirei aqui.

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Quais são as questões normativas que precisamos tratar? Duas questões distintas surgem, e esboçarei agora um quadro de reflexão que nos permitirá formulá-las. Eu suponho que nossos padrões de racionalidade epistêmica regulam uma variedade de atividades que podemos designar pelo amplo termo 'investigações': isso inclui deliberações 'internas' bem como atividades públicas cooperativas de solução de problemas. Investigações são tentativas de resolver problemas através de deliberação, discussão, auto-questionamento, observação, experimentação e assim por diante: elas correspondem ao que Michael Smith e Philip Pettit chamam 'conversações de tipo intelectual'1. Smith e Pettit argumentam que só podemos participar em tais discussões com outras pessoas se estivermos confiantes de que elas são suscetíveis a normas de racionalidade semelhantes àquelas que nós mesmos endossamos. Por outro lado, é difícil ver por que deveríamos considerar seriamente seus desafios, aceitar a informação que elas acrescentam e assim por diante. Do mesmo modo, posso supostamente executar com confiança atividades de solução de problemas 'privados' se estou confiante de que meus hábitos de formação de crenças, disposições para questionar inferências e conclusões, senso de plausibilidade e auto-evidência estão afinados com as metas que orientam minhas deliberações. Tal confiança não exige que eu seja capaz de formular os padrões que utilizo e despertar questões sobre se eles são corretos. Realmente, Quine parece assumir que muito de nosso funcionamento cognitivo é 'curiosamente passivo', empregando padrões de simplicidade e solidez indutiva que podem não ser suscetíveis de articulação formal2. Tal confiança geralmente é irrefletida; mas é uma exigência plausível da racionalidade que, se refletimos sobre nossas habilidades de resolver problemas, essa confiança seja legítima. Nesse caso, uma adequada epistemologia deveria nos permitir endossar conscientemente nossas habilidades cognitivas: não deveríamos ser forçados a concluir que seja um milagre que façamos o que fazemos3.

Além dos problemas sobre esse tipo de confiança na legitimidade de nossas capacidades cognitivas (possivelmente irrefletidas), também enfrentamos questões sobre as normas explícitas que deveríamos seguir para regular nossas crenças, investigação e conversação. Nós refletimos sobre crenças, inferências e estratégias de investigação e as mensuramos a partir de padrões definidos, pretendendo abandoná-las ou revisá-las se elas não satisfazem esses padrões. Deste modo, a segunda questão normativa diz respeito a se uma epistemologia naturalizada permitir-nos-à refletir sobre as normas explícitas que seguimos e compreender as circunstâncias nas quais devemos continuar endossando-as. Poderíamos chamar essas normas de metodológicas.

Assim, a racionalidade epistêmica exige que tenhamos um tipo de confiança em nossas capacidades que possa sobreviver ao tipo de reflexão que pareça como se suscitasse, inevitavelmente, questões epistemológicas. E também exige uma capacidade para refletir sobre padrões normativos definidos, e capacidade para ponderar se eles devem ser adotados, se eles são corretos. Minha principal preocupação neste ensaio é até que ponto uma epistemologia naturalizada permitir-nos-á fazer sentido com esses aspectos de nossa prática. Começarei com a segunda questão, e centralizarei a discussão em duas abordagens naturalistas distintas: as propostas de Quine para uma epistemologia naturalizada e o 'Naturalismo Normativo' defendido por Larry Laudan.

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Os filósofos inclinados ao naturalismo têm um padrão de resposta à objeção. E pelo menos no caso de Quine, a resposta está associada a um argumento em que o fundamento do 'dever' em 'ser' é menos problemático no estudo do conhecimento empírico do que no estudo das normas éticas. Uma formulação particularmente clara dessa contestação é encontrada em 'Progress or racionality? The Prospects for Normativ Naturalism', de Laudan4. Ele considera o caráter das 'normas metodológicas e trabalha com uma concepção de naturalismo que é muito mais ampla do que a de Quine. Por enquanto podemos ignorar esta complicação. Ao listar uma seleção de 'regras metodológicas', ele salienta primeiramente que elas têm a forma de comandos. Isto fica claro em exemplos como:

Proponha somente teorias falseáveis.

Evite modificações ad hoc.

Visto que, são comandos, continua, 'eles parecem decididamente não ser do tipo de afirmação que possa ser verdadeira ou falsa, mas, na melhor das hipóteses, apenas útil. Além disso, ele pondera: 'investigar suas condições de verdade parece um engano, pois eles aparentam ser bem diferentes de afirmações ordinárias. Todavia, se eles não tivessem condições de verdade, o que significaria exatamente perguntar sobre sua garantia?'

Sua resposta é que a gramática das regras metodológicas obscurece suas formas lógicas subjacentes: elas são imperativos hipotéticos cuja forma é:

Se a meta de alguém for y, então esse alguém deve fazer x.

Assim, a segunda máxima popperiana acima transcrita deveria ser lida exatamente:

Se alguém quiser desenvolver conjeturas arriscadas, então deve evitar hipóteses ad hoc.

A característica final do argumento é que tais imperativos 'sempre afirmam uma relação entre meios e fins'.

Especificamente, toda regra assim pressupõe que 'fazendo x' de fato irá promover y, ou nos aproximar mais da realização de y.

A conclusão que Laudan retira disto está expressa confusamente. Ele sugere inicialmente que regras metodológicas são afirmações sobre instrumentalidades. As formulações posteriores debilitam isso um pouco: a fundamentação da regra está determinada pela segurança da afirmação subjacente; e qualquer um que afirme a regra está comprometido com a verdade da asserção meios-fins. O ponto comum é que uma epistemologia naturalizada pode prover informação ampla sobre meios para fins, e que regras metodológicas (e, talvez normas cognitivas mais gerais) são fixadas por essas ocorrências sobre meios para fins.

A visão de Laudan, assim, tem dois componentes:

I. Todas as normas metodológicas são imperativos hipotéticos; elas dizem respeito a meios para fins.

II. As verdades instrumentais das quais estes imperativos dependem podem ser todas investigadas dentro de uma epistemologia naturalizada.

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A idéia de que normas epistêmicas são todas imperativos hipotéticos também é encontrada em Quine:

Na medida em que uma epistemologia teorética torna-se naturalizada num capítulo da ciência teórica, então uma epistemologia normativa torna-se naturalizada num capítulo da engenharia: a tecnologia da estimulação sensorial antecipada. (Pursuit of Truth, p.19).

Desde que Quine normalmente nos fala que a epistemologia ocupa lugar como um capítulo da psicologia, a epistemologia normativa é presumivelmente psicologia aplicada. Mais ainda, como esta citação sugere, normas epistêmicas são imperativos hipotéticos, que tratam de meios para o fim da 'estimulação sensorial antecipada'.

Contudo, esta afirmação pode facilmente ser mal interpretada. Quine não pensa que a predição seja o propósito da ciência. Isso pode ter sido o objetivo científico no passado, mas uma meta mais comum agora é 'tecnologia e compreensão'. A 'estimulação sensorial antecipada' é o ponto de verificação. De acordo com Quine, esse ponto 'não é normativo': 'eu o vejo como definindo um determinado jogo de linguagem, na frase de Wittgenstein', 'o jogo da ciência, em contraste com outros bons jogos como a ficção e a poesia'(p.20). Em uma analogia reveladora, nós compreendemos que predição 'é o que decide o jogo, como corridas e saídas no baseball', mas não necessariamente constitui a meta de um cientista praticante. Isto pode significar que qualquer um trabalhando nas ciências deve adotar o sucesso preditivo como uma meta secundária, como um meio para a tecnologia e a compreensão. Nesse caso, Quine parece estar dizendo que normas epistêmicas relacionam-se a essa meta definidora secundária e não aos fins que de fato motivam a pesquisa. Podemos perguntar por que Quine atribui tanta importância a esta 'meta'. Tendo em vista que a 'simulação sensorial' é uma noção psicológica, ela é claramente relacionada ao papel central que ele atribui à psicologia.

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Antes de continuar, devemos mencionar a aparente grande diferença entre Quine e Laudan. Cada um deles procura num lugar diferente seus paradigmas de estudo naturalista dos nossos esforços cognitivos. Quine subordina a epistemologia à psicologia (pelo menos na maior parte): estudamos os modos pelos quais o indivíduo forma crenças com base na estimulação visual. Os exemplos de Laudan são todos tirados da história da ciência: aprendemos como devemos realizar investigações pela reflexão das técnicas que foram efetivadas no passado.

Quando Quine oferece exemplos de como a ciência pode fundamentar normas epistêmicas, seus exemplos (paradoxalmente) raramente vêm da psicologia. Tendo notado como a 'pediatria, apendicectomia e o reparo cirúrgico de hérnias são corretivos tecnológicos de efeitos colaterais ruins da seleção natural', ele insiste que 'em essência, a epistemologia normativa também é assim, ao corrigir e refinar nossas tendências inatas à suposição por indução'.

Um pequeno exemplo disso é a exposição e correção da falácia do jogador: a noção insidiosa de que uma rodada de má-sorte aumenta a probabilidade de que na próxima tentativa ele ganhará. (From Stimulus to Science, p.50)

Tal correção, aprendemos, 'é o lado terapêutico da teoria estatística, um ramo significativo da matemática aplicada que é parte e parcela da epistemologia normativa'(ibid). Nesse caso, o naturalismo de Quine transforma a ciência em perspicácia epistemológica, mas o seu foco na psicologia não é uma parte essencial da posição.

Outras observações tornam claro que Quine não se opõe em obter ajuda da história da ciência como também das outras ciências não-psicológicas, como a matemática. Alegando que a 'epistemologia naturalizada em seu aspecto normativo geralmente está ocupada com heurísticas - com a estratégia geral da conjetura racional na construção de hipóteses científicas', ele menciona que em The Pursuit of Truth, ele procurou 'testar uma teoria depois de ela ter sido concebida' e então 'ultrapassar a concepção, que é onde entram as considerações normativas'. Após recordar que, em The Web of Belief, ele havia listado cinco relevantes virtudes (conservantismo, generalidade, simplicidade, refutabilidade e modéstia), ele menciona que 'uma recomendação adicional está anedoticamente disponível na história da rigorosa ciência'(p.20)5.

Por que, então, ele insiste tão fortemente na centralidade da psicologia? A passagem acima citada pode sugerir uma divisão do trabalho. Normas 'heurísticas' precisas regem o processo de construção da teoria - 'inventando coisas'. O teste da teoria é menos suscetível ao controle normativo explícito: é bom lembrar que, para ele, a indução não apresenta um corpo de padrões normativos porque não temos alternativa senão confiar na indução. Talvez a psicologia seja especialmente relevante para compreender nossos procedimentos indutivos, para compreender como a evidência está relacionada com a teoria. Em tal caso, a psicologia pode ter relevância especial para a primeira de nossas duas questões normativas - a de estabelecer nossa confiança em nossas capacidades cognitivas e racionais. A ênfase de Quine na psicologia (e na estimulação) pode refletir seu forte compromisso com o empirismo, algo que, presumivelmente, Laudan não compartilha.

Uma passagem de 'Epistemology Naturalised' sugere que Quine não se sente bem com o uso epistemológico exagerado da história da ciência:

Como vimos, o desalojar da epistemologia de seu velho status de primeira filosofia produziu uma onda de niilismo epistemológico. De certo modo, essa onde se encontra na tendência de Polanyi, Kuhn e Russell Hanson de diminuir o papel da evidência e acentuar o relativismo cultural. Hanson ousou até mesmo lançar dúvidas sobre a idéia de observação, argumentando que as assim chamadas observações variam de observador para observador, conforme a quantidade de conhecimento que os observadores trazem com eles. O físico veterano olha para algum aparato e vê um tubo de raio-x. O neófito, olhando para o mesmo lugar, observa antes "um instrumento de vidro e metal repleto de arames, refletores, parafusos, lâmpadas e botões". A observação de um homem é o livro fechado do outro homem ou o vôo da imaginação(p.88).

Por isso, o interesse predominante de Quine na psicologia e não na história depende da crença de que 'evidência' e 'observação' têm de ser fundamentais se não quisermos cair no 'niilismo' ou 'relativismo', e da crença de que os que se voltaram à história em busca de uma base naturalista para a epistemologia falharam em evitar esse perigo. De fato, esta ênfase já estava presente em sua descrição de como as normas epistêmicas são entendidas como imperativos hipotéticos: o fim para o qual nós buscamos meios eficientes foi explicitamente estabelecido nos termos derivados da psicologia teórica quineana - 'estimulação sensorial antecipada'. Mesmo que ele esteja abandonando a 'filosofia primeira', ele quer preservar a psicologia como um tipo de 'primeira epistemologia'.

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Temos agora esboçada uma série de problemas a que uma abordagem naturalizada da racionalidade epistêmica deve se dirigir, e adotamos uma estratégia comum para lidar com eles. Pode uma epistemologia amplamente naturalizada satisfazer essas exigências? Tomemos as duas questões normativas uma após a outra. Primeira: pode uma epistemologia naturalizada fundamentar nossa confiança em nossas capacidades para solucionar problemas efetivamente?

Consideremos o que Quine diz ao tratar da legitimidade da nossa crença na indução. Ele critica a sugestão de que há uma genuína questão normativa do por que estamos 'autorizados' a confiar na indução. Isto apóia-se em uma falsa pressuposição: nós não estamos 'autorizados', mas estamos 'obrigados a':

Estamos obrigados pela rede inata do nosso sistema nervoso, conferida pela seleção natural. Nossa tendência é esperar que estimulações semelhantes tenham seqüências que sejam semelhantes entre si. A similaridade aqui é subjetiva, e nossa escala ou padrão de similaridade são inatos mas sujeitos à modificação pela experiência. A seleção natural tem favorecido em nós um padrão de semelhança que produz uma indução amplamente bem sucedida, por enredar-se muito bem com as regularidades da natureza nos últimos doze milênios.

Isto, mais a feliz circunstância de que a natureza tem aparentemente permanecido regular até hoje, explicam o contínuo e amplo sucesso da indução. Nossos genes explicam o fato de ainda continuarmos confiando nela. Mas tudo isso é compatível com uma mudança maior, neste exato momento, no curso da natureza, então não vejo nenhuma legitimidade [para confiar na indução]. Tal mudança seria contrária às nossas leis científicas mais sólidas, mas argumentar assim é argumentar indutivamente, desviando a questão.

Onde a evidência pode ser decisiva é mais propriamente no lado negativo: a refutação de um categórico observacional por um contra-exemplo observado. Isto é, como algumas de nossas falsas induções são eliminadas, e como a ciência se mantém no terreno da realidade ('Responses', Inquiry 1994, 502-3).

Num parágrafo posterior surge o que poderia ser o movimento chave de Quine: 'Mas a epistemologia tradicional não desfruta de nenhuma vantagem evidente sobre o naturalismo nesses assuntos normativos'(ibid. 503).

Esta passagem pede alguns comentários. Quine resiste ao fraco argumento de que estamos autorizados a confiar na indução porque a seleção natural não nos proporcionaria hábitos indutivos se eles não fossem adaptáveis. Considerando que nossas necessidades cognitivas diferem daquelas dos nossos antepassados em evolução, o argumento evolutivo não fornece nenhuma razão para acreditarmos que nossos hábitos e capacidades estejam bem adaptados às nossas atuais necessidades cognitivas refinadas. Curiosamente, embora não tão enfatizado quanto seria apropriado, Quine está comprometido com a importância de termos a capacidade para revisar e desenvolver nossos hábitos indutivos diante do fracasso preditivo - nosso padrão de semelhança é inato 'mas sujeito a modificação pela experiência' e, ele deveria ter acrescentado, educação. Assim, possuímos um conjunto de hábitos indutivos que podemos modificar e desenvolver à luz de outro conhecimento e experiência, dos quais nunca nos foi dada qualquer razão para duvidar. Realmente, esses hábitos indutivos confirmam que confiamos neles. Se nossa confiança na indução não encontra o alto grau de sustentação que ele acredita ser exigido para a 'legitimidade', nós podemos ver como a reflexão não ameaça nossa confiança nisso. E nós podemos ver como a informação empírica - sobre nossos sucessos e sobre nossa flexibilidade, assim como nosso conhecimento crescente dos mecanismos envolvidos – tudo isso contribui para reforçar essa confiança.

Se o assunto é o de legitimar nossa confiança em nossas capacidades cognitivas, as preocupações de Quine sobre circularidade parecem fora de lugar6. Nossa confiança cresce legitimamente com o sucesso. A possibilidade de que tudo possa mudar amanhã pode não ser impugnada por um argumento que proporcione qualquer tipo de garantia, mas nem tampouco dá origem a um sentido forte de vulnerabilidade epistêmica. Na pior das hipóteses, isto revela que somos falíveis, e dependentes da bondade da natureza. Até aí, parece razoável concordar: não há, em princípio, razão pela qual uma abordagem naturalizada do estudo da racionalidade epistêmica deveria estar pior colocada do que a 'epistemologia tradicional' para legitimar nossa confiança em nossas habilidades cognitivas. O ônus da prova recai sobre aqueles que quiserem negar isto: eles devem apontar para alguns aspectos particulares de nossa prática reflexiva, onde nossa confiança seria abalada pela informação de que somente a informação 'naturalista' estivesse disponível.

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Quando retornamos às normas explícitas, a resposta é essencialmente a mesma. Estamos cientes de que muitos exemplos das investigações matemáticas e psicológicas revelam inadequações nos nossos hábitos racionais. Uma vez que estamos informados sobre a falácia do jogador, veremos a força de normas que pedem cuidado e cautela antes de fazer apostas. Estudos psicológicos de inferência - por exemplo, o debate que se desenvolveu em torno do trabalho de seleção de Watson - nos alerta para áreas onde é provável o engano; e podemos aprender a evitar esses erros adotando normas para reger nossas deliberações e conversações. Assim, não há problema em aceitar que um estudo naturalizado do conhecimento pode sustentar normas de racionalidade epistêmica. Uma crítica adequada nesse sentido deveria mostrar que há normas mais fundamentais que não podem receber este tipo de defesa. Uma vez mais, o ônus da prova permanece com quem deve nos persuadir de que este é de fato o caso. Por enquanto, não temos nenhuma razão para pensar que a epistemologia naturalizada seja algo pior do que a epistemologia tradicional.

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A essa altura, pode ser útil introduzir uma crítica da retórica de Quine e de seus procedimentos que é atribuída a Susan Haack (Evidence and Inquiry, capítulo VI), mas eu colocarei o caso em termos bem diferentes. O naturalismo acerca da epistemologia normativa, que esboçamos com base nos comentários de Quine, defende que padrões normativos são revisáveis à luz da experiência; não há uma primeira filosofia a priori que possa legislar sobre as normas que devemos seguir ao tentar dar sentido à experiência. Embora a ciência experimental e a matemática possam ser inestimáveis como uma fonte de experiência relevante ou outros indícios de que uma revisão é necessária, a posição resultante não se ajusta às alegações feitas em algumas das mais fortes retóricas naturalistas de Quine. A experiência cotidiana não é menos relevante do que a experiência puramente científica; e a história é, da mesma maneira, tão útil quanto a psicologia. Assim, a alegação de que a epistemologia normativa esteja dentro de um capítulo da 'ciência natural' parece equivocada - a menos que o significado de 'ciência natural' seja estendido até que perca todo seu valor. Certamente, um processo semelhante de avaliação e revisão de reações habituais pode acontecer quando revisamos nossas visões éticas ou estéticas.

Aqui está uma conjectura sobre o que deu errado. Quine sustenta que, se quisermos entender como são desenvolvidas teorias com base em nossa escassa informação empírica, então não temos alternativa senão retornar à psicologia cognitiva e à psicologia social: isto é, à ciência cognitiva. Há uma tarefa cognitiva inteligível que pode melhor ser realizada cientificamente. Certamente, poderíamos pensar que há questões importantes sobre ética que somente serão respondidas também desse modo. Nesse caso, poderíamos pensar que Quine é igualmente cartesiano, enfocando a psicologia individual e ignorando a natureza social e cooperativa dessas atividades. Além disso, é provável que tais investigações forneçam informações que possamos usar para melhorar nosso desempenho: podemos ser alertados acerca de inesperadas influências perturbadoras ou de caminhos que possam nos conduzir ao erro. Mas estas questões são amplamente teóricas, dizem respeito àquilo que nos capacita a compreender como formamos nossas crenças e fazemos nossas avaliações7. Dado que Hume, Locke e (presumivelmente) Carnap estavam amplamente preocupados com essas especulações explicativas quando estudaram a cognição, não é surpreendente que Quine tenha visto continuidade entre estudos científicos da cognição e vários empreendimentos dentro da mais recente tradição epistemológica.

Tendo em vista que alguns desses primeiros estudos da cognição foram amplamente introspectivos, ocupando-se com relações observáveis entre os estados mentais que eram admitidos como acessíveis à contemplação introspectiva, não é de se admirar que eles se alimentassem diretamente de alegações sobre padrões normativos epistemológicos. A teoria psicológica não foi muito diferente da cuidadosa reflexão introspectiva. Estudar a natureza da cognição e da estrutura normativa dos modos nos quais refletimos sobre nossas crenças, ações, planos e deliberações não eram investigações inteiramente separadas. Se as categorias psicológicas eram fundadas na introspecção, não é surpresa que elas sejam bem apropriadas para as descrições do raciocínio e as crenças que usamos ao tentar regular nossas investigações. Uma vez que nos movemos além de uma psicologia introspectiva, não há razão para esperar que isso continue sendo verdadeiro. Alguém pode ser um naturalista e permitir que todos os padrões de racionalidade sejam reavaliados à luz da experiência, sem adotar a crença de que a epistemologia normativa seja meramente uma ciência cognitiva aplicada.

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Poderíamos elucidar as coisas um pouco mais, considerando um argumento de Laurence BonJour. Ele pretende mostrar que uma abordagem naturalista da epistemologia é de algum modo auto-destruidora: em geral, uma epistemologia adequada deve admitir que algumas crenças sobre o que é uma razão para o quê são conhecíveis a priori. O argumento admite que há uma distinção entre aquelas crenças que são informações imediatas do conteúdo da experiência e aquelas que 'não podem ser inferidas como estritamente observacionais ou experenciais, em qualquer sentido que tenha a mais leve plausibilidade: crenças sobre o passado remoto, crenças sobre o futuro, crenças sobre situações presentes onde nenhum observador está presente, crenças sobre leis gerais, a vasta maioria das crenças que compõem a ciência teórica, e talvez outras' ('Against naturalised epistemology' 295-6). Ele questiona, então, que tipo de crença pode contar como razão para algumas dessas crenças não-observacionais. A razão deve ou '(i) depender de uma inferência de algum tipo a partir de algumas das crenças diretamente observacionais ou (ii) ser completamente independente da observação direta. Uma razão do tipo (ii) é claramente a priori'. Uma razão do tipo (i) só pode ser obtida de uma afirmação condicional da forma:

Se p1, p2, p3, etc., são verdadeiros, então q é verdadeiro (onde p1 - p3 são observacionais e q é não-observacional).

Se todo o material observacional relevante estiver incluído no antecedente, então um condicional deste tipo 'somente pode ser a priori'. Assim, para que as crenças sobre assuntos não-observacionais possam ser justificadas, deve haver sentenças a priori de garantia, e isto conflita com a alegação de que todos os assuntos normativos possam ser examinados a posteriori. BonJour considera este argumento 'extremamente óbvio e constrangedor em filosofia'. Seu uso do argumento está associado à sua identificação do verdadeiro abismo existente nas abordagens naturalizadas de questões epistêmicas: o naturalista não pode fornecer nenhuma razão real para pensar que suas crenças sejam verdadeiras. Ele acredita que isto é algo que não pode ser fornecido sem que ele se envolva com argumentos céticos, e pensa (plausivelmente) que só podemos confrontar o ceticismo com a ajuda de um raciocínio a priori. Uma vez que já expressamos a esperança de que uma abordagem naturalizada da epistemologia pode conhecer as demandas normativas que de fato surgem no curso da investigação reflexiva, eu nada mais direi aqui sobre este último ponto. A questão mais propriamente é: o que deveria dizer um defensor do naturalismo sobre o argumento 'óbvio' e 'constrangedor' de BonJour?

Podemos questionar a dicotomia que lhe subjaz: ou esta proposição condicional é deduzida de crenças sobre o que é observado diretamente ou ela é evidentemente a priori. Considerando que BonJour fala de modo pouco elucidativo, é razoável protestar que o contraste pretendido não está muito claro. Se 'deduzido de crenças sobre o que é diretamente observado' significa que o crente pode identificar um conjunto de premissas observacionais junto com uma estrutura de argumento que se supõe apoiar a conclusão, então é razoável objetar que uma crença poderia falhar em satisfazer esta condição sem ser a priori, em qualquer sentido que precise perturbar um adepto do naturalismo. Para um holista moderado como Quine, uma crença pode ser assegurada por seu papel de sustentar ou integrar um significativo corpo de informações mesmo se o crente não puder apontar as 'razões' que o autorizam a sustentar isto. Suponha que o agente esteja reflexivamente confiante nos hábitos da memória, inferência e reflexão que conduzem à disposição para consentir à proposição q. Uma vez que o pesar da evidência é 'um caso amplamente passivo', nenhuma dúvida ou questão específica é (ou, talvez, até mesmo pode ser) levantada ao se refletir sobre aquela crença. Num sentido pouco rigoroso, tal pesar da evidência pode ser pode ser descrito como a priori: ela não é uma candidata para avaliação ou reavaliação empírica, e ela é pressuposta ao se fornecer razões para se acreditar em outras proposições. Contudo, visto que nenhuma questão é formulada sobre o seu status normativo, não há nenhuma exigência para que desenvolvamos uma teoria epistemológica que explicará e justificará a alegação de que possuímos uma legitimação a priori para isto. Além do mais, parece não haver razão para se supor que sua presença implique que possuímos capacidades 'não- naturais' para pesar a evidência.

BonJour parece acreditar que as relações de dependência epistêmica que reúnem nossas crenças, têm uma clara e articulada estrutura que podemos identificar (penso que ele chama isto de 'presunção doxástica'). Se este for o caso, então eu poderia ver que a reflexão nos levaria a identificar essas estruturas de argumento e levantar questões sobre sua validade. O desafio de BonJour pode então ser crucial. Uma vez que essa suposição é abandonada (como seguramente ela deva ser), então o foco da avaliação epistêmica se torna mais limitado: é uma característica da nossa economia cognitiva que certas proposições e argumentos emergem da obscuridade e requeiram avaliação reflexiva. Minha sugestão tem sido a de que não é ainda evidente que as questões que surgem deste modo não possam ser resolvidas usando-se padrões normativos cuja validade possa ser avaliada de modo a posteriori.

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A conclusão que desejo tirar dessa discussão da observação de BonJour pode ser colocada em termos ligeiramente diferentes. Compare dois quadros de racionalidade epistêmica. O primeiro, que é característico da 'epistemologia' mais recente, defende que realizamos essas avaliações usando um conceito geral de justificação avaliativa. A epistemologia deve nos dizer o que é necessário para que uma crença seja justificada; a menos que cada uma de nossas crenças seja justificada, nossa posição cognitiva geral estará equivocada; e, assim, a investigação reflexiva responsável exige que possamos dizer, de cada uma de nossas crenças, se ela possui essa virtude da 'justificação'. A objeção de BonJour parece nos convidar a identificar o tipo de 'justificação' que sua condicional possui. Esta visão trata a justificação como uma categoria de 'tipo avaliativo'. A segunda situação é cética quanto a se possuímos virtudes epistêmicas gerais substantivas claras, tal como a 'justificação'. No entanto, no processo de realizar as investigações e testar nossas opiniões, podem surgir questões de como devemos continuar resolvendo certos problemas, de como devemos reagir uma experiência surpreendente, se devemos confiar em nossos instintos em algum caso particular e assim por diante. O epistemólogo quineano que estou considerando sustenta que esses assuntos específicos podem ser discutidos de uma maneira naturalista. Embora devamos dizer que uma crença seja justificada quando tiver ocorrido de uma maneira normativamente adequada, não precisamos fundamentar nossa prática de racionalidade epistêmica em nenhum tipo de explicação relevante da 'justificação'. É compreensível que, se você tiver o quadro anterior, o naturalismo possa se tornar não atrativo. O quadro naturalista que estou examinando resiste a este quadro.

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Devemos concluir apresentando uma óbvia dificuldade. Laudan e Quine sugerem que todas as normas metodológicas referem-se a meios para fins. Contudo, seguramente há questões normativas sobre o que deveriam ser nossos fins: pode uma abordagem naturalizada da racionalidade epistêmica dizer algo sensato sobre essas questões? Quais deveriam ser nossos fins cognitivos?8

É tentador ver esta como uma questão sobre a forma a ser alcançada pelos imperativos hipotéticos que expressam as normas epistêmicas: os padrões prescritos de crença e inferência são meios para quê? É a verdade uma crença empiricamente adequada, ou o que? Uma vez que Quine e (especialmente) Laudan9 insistem que as metas que motivam a atividade científica podem variar com o tempo, as questões sobre o que essas metas devem ser parecem genuínas. Nesse caso, precisamos de orientação normativa na tarefa de escolhê-las. É surpreendente que nenhum dos dois discutiu seriamente a questão. No caso de Quine, isto é especialmente surpreendente porque ele considera que a presença da competição dos 'fins' para a moralidade é uma fonte de uma maior diferenciação entre ciência e ética, o que torna o realismo ético impossível. Vimos que, no caso científico, ele acredita que as mais variadas metas que podem motivar a atividade científica têm em comum o fato de poderem ser perseguidas somente buscando teorias que passem pela avaliação da experiência. Consequentemente, as normas relacionadas àquela meta, junto com os ideais de simplicidade, etc., serão comuns a todas as versões do 'jogo de linguagem científico'. Tornando, com efeito analítico, que esta seja uma meta subordinada fundamental à atividade científica, parecerá para alguns ser um movimento desesperado.

Será que a reflexão sobre nossas crenças, deliberações e questionamentos dá origem a questões sobre a racionalidade dos fins que não podem ser transformadas em questões sobre meios para fins? Se assim for, será que isso despertará uma séria dificuldade para qualquer tratamento naturalista da questão? Defendo que nenhuma questão interessante surge de questões sobre qual jogo de linguagem jogar - se ser um cientista ou um novelista. Também defendo que nenhum problema particular surge sobre de quais assuntos teóricos particulares deveríamos nos ocupar - se formos filósofos ou psicólogos, com quais problemas trabalhar e assim por diante. Uma vez que casos assim são desprezados, podemos começar a olhar para exemplos mais enigmáticos de lidar com questões sobre o que são ou deveriam ser nossos fins epistêmicos. Até mesmo aqui eu sugerirei que os assuntos normativos que surgem podem ser compreendidos em termos de meios-fins.

Um tipo de exemplo é sugerido por analogia com assuntos sobre a avaliação dos fins na área da razão prática. Seguindo John Dewey, assumirei que a motivação imediata para a investigação freqüentemente pode ser o que eu chamarei um 'problema' e ele chama uma 'situação indeterminada'. Estamos transtornados pelo fato de que há incoerências e incompletudes do nosso conhecimento numa área particular, e parte da nossa incerteza consiste no fato de que não podemos formular uma questão clara que enuncie nossa preocupação. Casos onde nos falta (e procuramos) compreensão, podem ser freqüentemente desse tipo. É característico das investigações filosóficas o fato de termos um forte senso de não conhecer o que está à nossa volta, e também de podermos suspeitar que, uma vez que formulamos nossa falta de compreensão de modo claro, um progresso pode ser facilmente alcançado. Nossa meta cognitiva inicial é a de 'encontrar a meta cognitiva correta', encontrar um objetivo para a investigação cuja realização, esperamos, removerá nossa falta de entendimento.

Em tais casos, parece fácil ver como uma opinião pode ser sustentada por uma epistemologia naturalizada. Não há receita para limitar ou clarificar nossos objetivos cognitivos, mas a experiência pode nos guiar experimentando questões afins, procurando por pistas, e esperando chegar a um melhor entendimento do assunto que nos permitirá eliminar nosso problema. Claro que há um trabalho extenso muito interessante a fazer aqui. Meu ponto simplesmente é: tais exemplos não proporcionam qualquer razão para supor que o tipo de raciocínio normativo explícito envolvido não possa ser fundamentado em investigações empíricas meios-fins.

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Não consegui discutir todos os assuntos que surgem sobre o raciocínio normativo na regulação de crenças e questionamentos - eu estou particularmente ciente de que eu não disse quase nada sobre o papel dos tipos de normas que são fundamentadas em nossa compreensão dos conceitos. Meu objetivo no ensaio foi triplo. Primeiro, identificar o que temos de procurar a partir de uma abordagem naturalista da racionalidade epistêmica: isto deve dar espaço para defesa reflexiva da nossa confiança de que nossas capacidades cognitivas e hábitos são estruturados de tal forma a nos para habilitar a resolver nossos problemas e alcançar respostas corretas para nossas questões. Segundo, contra pano de fundo, tentei elucidar alguns dos vários temas envolvidos na posição de Quine de uma epistemologia normativa naturalista. Tão logo nos afastemos de uma visão simplificada demais do seu projeto - embora uma que ele encoraje pela sua descrição da epistemologia como um ramo da psicologia teórica - sugeri que o quadro geral não é tão irreal como ele pode à primeira vista parecer. Finalmente, tentei identificar onde os reais pontos fracos desse tipo de abordagem provavelmente estão. Embora não tenha prolongado esta investigação tão profundamente como desejaria, espero ter sugerido que a preocupação principal (que Quine nada pode dizer sobre a avaliação de nossos fins epistêmicos) pode ser, em última instância, mal colocada.

Notas de Rodapé

1 'Freedom of thought and desire', Journal of Philosophy, 1996.

2 Ver Word and Object, capítulo 1, e para discussão, Hookway ‘Naturalised epistemology and epistemic evaluation' de, Inquiry 1994.

3 Embora isto sugira que seria uma falha numa epistemologia que sugeriu que nossos sucessos cognitivos fossem uma questão de sorte, não deveríamos esperar da epistemologia sustentar uma firme garantia de que tudo sairá bem. É altamente provável - e de acordo com o espírito do naturalismo – que devemos depender da 'graça da natureza'. (Veja Fogelin, Pyrrhonian Reflections on Knowledge and Justification, e Wittgenstein, On Certainty).

4 A não significação provavelmente prende-se ao fato de que em seu mais recente livro Quine usou o nome 'naturalismo normativo' para sua própria posição. (From Stimulus to Science, 49-50).

5 Todavia ele parece sugerir que 'imaginar coisas' pode resistir a jogos bem precisos ou rigorosos de heurística. 'Conservatismo' e simplicidade parecem não ter 'aferição geral', 'muito menos qualquer escala comparativa de um com outro': 'por esta razão apenas - e não somente esta - não há esperança de um procedimento mecânico para otimizar hipóteses. Criar boas hipóteses é uma arte imaginativa, não uma ciência. É a arte da ciência'. (From Stimulus to Science, p.49).

6 Em outro ponto, Quine faz observações semelhantes sobre indução e seleção natural. Remete à questão 'Por que nosso espaçamento de qualidades subjetivo inato deveria tem um especial ponto de apoio na natureza e uma garantia no futuro' e depois de mostrar (memoravelmente) que 'criaturas arraigadamente ruins em suas induções tenham uma tendência patética mas louvável para morrer antes de reproduzir seu tipo', ele conclui que 'esses pensamentos são indicados para justificar a indução... que a seleção natural contribui... é uma razão pela qual a indução trabalha, aceito que ela o faça. ('Natural kinds' em Ontological Relativity).

7 Ao dizer que uma investigação dentro da ciência cognitiva pode responder questões teóricas nessas áreas, não estou comprometido com a alegação de que tais investigações possam responder todas as relevantes questões teóricas sobre como realizamos questionamentos ou fazemos avaliações. Isto parece extremamente improvável.

8 A visão de que os 'princípios da racionalidade' devam todos ser defendidos em termos de meios e fins também é defendida em The Nature of Rationality, capítulo 1, de Robert Nozick. É parte de sua visão que justifiquemos adotar algo como um princípio para mostrar que fazendo assim possa fortalecer nossa motivação para fazer o que isto requeira. De acordo com o quadro aqui em discussão de que princípios são adotados por causa dos benefícios práticos de fazer assim; eles não são adotados porque estejam de alguma maneira implícitos nas fundamentações dos sistemas de avaliação com que estamos preocupados.

9 A principal preocupação nos seus escritos é mostrar que podemos obter perspicácias metodológicas (diz) das realizações de Newton, apesar do fato de que qualquer de seus objetivos fosse 'mostrar a mão do Criador nos detalhes de sua criação' e o 'discursar de [Deus] sobre a manifestação das coisas'. Sua concepção do objetivo da ciência era notavelmente diferente do nosso.

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