As Ciências Naturais da Idade Helenista


Como já salientamos, na idade helenista declina o vigor especulativo filosófico até ao ceticismo, e se despedaça, tornando-se empírico nas ciências particulares. Concretiza-se nestas ciências o interesse teorético da época, incentivado também pela descoberta de países novos, fenômenos e fatos novos, graças às expedições de Alexandre, que chega até as Índias. As ciências particulares, por sua vez, vão terminar fatalmente na prática, na técnica, para a satisfação das necessidades imediatas da vida empírica, porquanto é impossível a consistência teórica dessas ciências sem a filosofia. O centro principal dessa cultura científica é Alexandria - como Atenas foi o grande centro da especulação filosófica. Em Alexandria congregavam-se, e daí partiam cientistas de todo o mundo civilizado, atingindo esta cidade seu maior esplendor nos séculos III e II a.C. (Euclides, Arquimedes, Hiparco) e no II século d.C. (Ptolomeu). Em Alexandria havia o famoso Museu, rico de recursos científicos - bibliotecas, observatórios, gabinetes, jardins botânicos, jardins zoológicos, salas anatômicas, etc. - e que teve uma longa e gloriosa vida desde o III século a.C. até o IV século d.C.

No presente parágrafo examinamos brevemente as principais ciências naturais cultivadas nesta época - matemática, física, astronomia, geografia, ciências naturais, medicina - particularmente em relação com o saber enciclopédico. A contribuição da filosofia clássica; tal contribuição limita-se essencialmente à matemática, ciência no sentido estrito como a filosofia, e a um certo complexo de observações empíricas, que serão valorizadas e sistematizadas na ciência moderna.

Dos dois ramos da matemática floresceu, no mundo antigo, primeiro a geometria - III e II séculos a.C. - e depois a aritmética - séculos II e II d.C. Quanto à física, após um interesse teórico para com esta ciência, prevaleceram interesses práticos, técnicos. Lembre-se a escola mecânica de Alexandria, já famosa no III século a.C., em que foram inventados relógios de água, máquinas hidráulicas, máquinas de guerra acionadas por ar comprimido, etc. A matemática e a física tiveram grandes cultores em Euclides e Arquimedes.

Euclides viveu em Alexandria no III século a.C., onde passou a vida toda entre o ensino, a sistematização das descobertas matemáticas de seus predecessores e as suas pesquisas originais. É o autor dos afamados Elementos de Geometria,  onde se trata com grande clareza e rigor científico de geometria plana, aritmética e estereogrande matemático e físico. Natural de Siracusa, estudou em Alexandria, voltando depois à pátria, aí dedicando-se por toda a vida a estudos e pesquisas de matemática, geometria e mecânica. De suas descobertas aproveitou-se também para a construção de máquinas de guerra, em defesa de Siracusa cercada pelos romanos durante a II guerra púnica. Apesar de ter o cônsul Marcelo ordenado aos soldados poupar a vida ao grande sábio, durante o saque da cidade foi morto por um soldado ignorante, repreendido pelo grande sábio porque perturbava seus estudos. "Noli turbare circulos meos", teriam sido as suas últimas palavras.

Quanto à astronomia e à geografia, floresceu antes e mais viçosamente aquela do que esta. A geografia começou a ser cultivada no seu aspecto astronômico-matemático; só com Estrabão afirmou-se o caráter antrópico da geografia. Estrabão - 63 a.C. - 30 d.C., mais ou menos - nascido no Ponto, estudou em Alexandria e em Roma. Escreveu uma grande obra de Geografia, onde descreve sistematicamente, em dezessete livros, as regiões então conhecidas - Europa, Ásia, África - pondo especialmente em foco a influência do clima sobre o temperamento e o caráter humanos e sobre a organização social e política.

A astronomia antiga conheceu a hipótese heliocêntrica, mas aderiu, em geral, ao geocentrismo. A hipótese heliocêntrica é devida a Aristarco de Samos, pouco posterior a Aristóteles e de pouco anterior a Arquimedes - III século a.C. O geocentrismo foi elaborado por Eudóxio de Cnido (408-355 a.C.) discípulo de Platão, e por Aristóteles no sistema das esferas homocêntricas; o sistema astronômico era composto de cinqüenta e seis esferas concêntricas. A seguir foi desenvolvido e corrigido por Apolônio de Perga (260-200 a.C.), que ensinou em Alexandria e em Pérgamo e foi um grande geômetra da Antigüidade juntamente com Euclides e Arquimedes; e também, mediante a teoria dos excêntricos, por Hiparco de Nicéia do II século a.C., o qual viveu em Alexandria e em Rodes. Esta teoria desloca a terra do centro das órbitas astrais para a circunferência, para poder explicar melhor e mais simplesmente os movimentos celestes. Entretanto, o sistematizador definitivo do geocentrismo é Ptolomeu, vivido em Alexandria no II século d.C., autor do assim chamado Almagesto, mediante o qual a astronomia antiga foi transmitida e seguida até à Renascença. Ptolomeu julgou que devia integrar a astronomia com a astrologia, que seria o estudo dos influxos astrais sobre os fenômenos terrestres e, particularmente, sobre as vicissitudes humanas.

As ciências naturais propriamente ditas, já cultivadas por Aristóteles (zoologia) e Teofrasto (botânica), tiveram incremento na idade helenista. Primeiro, por meio das expedições militares de Alexandre, as quais levaram ao conhecimento da flora e da fauna das regiões novas, depois pelas grandes coleções do Museu de Alexandria, dotada de jardins botânicos e zoológicos, como acima já dissemos. As ciências naturais progrediram entretanto na idade helenista particularmente como ciências auxiliares da medicina - anatomia e fisiologia - que, por sua vez, nesta época fez grandes progressos.

Ao lado da antiga escola de Hipócrates, a qual explicava o organismo animal mediante a relação dos quatro humores fundamentais e é chamada escola dos dogmáticos, afirmam-se no século III a.C. em Alexandria outras escolas, firmadas em princípios diferentes. Temos, por exemplo, a escola que tenta explicar os fenômenos da vida pelas quatro forças fundamentais; esta escola fez descobertas importantes sobre a circulação do sangue e sobre o sistema nervoso. Mais importante é a escola médica chamada empírica que, em oposição à orientação teórica e especulativa das escolas precedentes, afirma o valor da experiência direta, da observação dos sintomas do mal e do efeito dos remédios. Foi, inversamente, eclético com tendências dogmáticas e hipocráticas Cláudio Galeno (131-210 d.C.), o maior médico da Antigüidade. Natural de Pérgamo, viveu longamente em Roma na qualidade de médico imperial e deixou numerosos escritos, que dominaram a cultura médica européia até além da Idade Média. Tenta ele sintetizar a doutrina hipocrática dos quatro humores com a física aristotélica dos quatro elementos e das quatro qualidades fundamentais da matéria - o calor, o frio, a secura, a umidade. Alicerça a medicina na fisiologia e na anatomia; afirma uma fisiologia teleológica, finalista, para explicar a formação e o funcionamento dos órgãos; reconhece a vis medicatrix como fator essencial da terapia, não podendo o médico fazer outra coisa senão auxiliar esta força medicatrix. Tendo Galeno procurado coligar os fatos particulares observados no mundo biológico aos princípios da física e da metafísica, segue-se que foi também um filósofo. A sua filosofia é uma síntese do platonismo, estoicismo e, sobretudo, aristotelismo.

 

O Pensamento Latino

Características Gerais

Julgamos seja preciso tratar do pensamento romano juntamente com a filosofia grega, porquanto também o pensamento romano depende - em seus motivos teóricos, especulativos, metafísicos - da filosofia grega; e precisamente depende da filosofia grega do terceiro período, de caráter pregmatista e moral, que colimava com o temperamento prático dos romanos. Antes, dos dois quesitos fundamentais da filosofia moral grega - que coisa é o sumo bem, e como se realiza - os romanos se interessaram propriamente apenas pelo segundo.

O gênio romano é oposto ao gênio grego, apesar de ambos os povos se originarem do mesmo tronco indo-europeu. O gênio romano cultua a primazia da prática, da atividade, do negotium (nos campos, nos quartéis, no foro), considerando o estudo, a especulação, a contemplação - que, segundo os gregos, representavam a mais alta tarefa da vida - como passatempos, lazeres, otia.

E como as obras primas do gênio grego foram a filosofia e a arte, que sobrevivem imperecíveis ao acontecimento empírico da queda política da Grécia, base e germe de toda sólida construção especulativa e de toda verdadeira obra artística, em oposição a todos os desvios passados e presentes, assim a obra-prima do gênio romano é o jus, o direito, a idéia imperial, universal, que sobrevivem imperecíveis ao empírico fim político do império romano - do Ocidente e do Oriente -, norma e fundamento de uma vida civilizada ideal, humana, justa, razoável, de permeio a toda a barbárie antiga e moderna.

Após a conquista romana da Macedônia (168 a.C.), a Grécia tornava-se efetivamente parte do império romano. Começa, portanto, a influência grega sobre o mundo romano. Com meios coativos, políticos, é impedida pelos conservadores - estando à frente Catão, o Antigo - os quais justamente percebiam o perigo da perversão dos costumes na vida romana, acelerada pelo contato com a refinada civilização helenista. Um senatus-consulto, em 161 a.C., vedava a morada em Roma aos filósofos; é, porém, a última vitória dos conservadores; Roma procede fatalmente para o Império. Entre Roma e a Grécia estabelecem-se e desenvolvem-se intensas relações culturais, favorecidas pelo partido iluminado chefiado por Cipião Emiliano, Quíncio Flamínio, Paulo Emílio. Os jovens mais conspícuos das famílias aristocráticas romanas vão à Grécia e à Ásia Menor, Atenas e Rodes, para se aperfeiçoarem nos estudos, começados geralmente na pátria sob direção de educadores gregos. E fazem isto não por interesses científicos, mas porque o helenismo é considerado bom gosto, elegância, moda, elemento indispensável da alta cultura romana.

Aliás, também a filosofia grega dirige-se para Roma. Antes de tudo, a famosa embaixada dos filósofos gregos ao senado romano em 155 a.C., composta de Carnéades, acadêmico, juntamente com Critolaus, peripatético e Diógenes, estóico, a qual segundo Plutarco, despertou grande contrariedade no velho Catão. O epicurismo teve imediata, rápida e grande influência em Roma, o epicurista foi o primeiro romano que nos deixou um escrito filosófico: Lucrécio Caro, autor de De rerum natura. É esta uma das maiores obras da literatura latina, e, por conseqüência, testemunho do entusiasmo vivo e sincero com que foi aceito em Roma o epicurismo por um determinado grupo cultural - ainda que a obra lucreciana seja desprovida de importância especulativa.

 

Ecletismo e Estoicismo

As duas correntes mais importantes do pensamento romano são o ecletismo e o estoicismo. Ambos correspondem à índole prática do gênio romano: o primeiro condiz com o pragmatismo positivo, otimista, da idade republicana; o segundo condiz com o pragmatismo negativo, pessimista, da idade imperial.

O mais destacado expoente da primeira corrente é Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), jurista e homem político literato e orador famoso. Não é, porém, igualmente ilustre no mundo filosófico. Carece de interesse especulativo, de crítica e de sistema; o sistema filosófico de Cícero é uma forma de pragmatismo eclético, sendo critério de verdade o útil moral. Seu mérito principal está no fato de que ele fez ampla e eficazmente conhecer a Roma o pensamento helênico, traduzindo-o para a língua latina, criando um verdadeiro dicionário filosófico latino. Cícero tem mérito também como historiador da filosofia antiga, de que representa uma fonte essencial, às vezes a única fonte, dada a sua cultura vasta e eclética. Em Atenas e em Rodes, Cícero foi discípulo de Filo, acadêmico, de Possidônio, estóico, e de Fedro epicurista. O seu pensamento é, assim, um ecletismo com tendências acadêmicas e para finalidades morais - conforme a segunda escola estóica grega.

O estoicismo romano difere do estoicismo grego, porquanto - segundo a índole prática do gênio romano - limita-se quase exclusivamente aos problemas morais, que constituem o caráter essencial do estoicismo, descuidando quase que completamente dos problemas teoréticos, que no estoicismo são resolvidos segundo uma metafísica elementar e contraditória. Daí uma superioridade do estoicismo romano sobre o estoicismo grego; a profunda praxe ascética do estoicismo recebe, aliás, uma confirmação de alto valor, pela sua aceitação por parte de uma mentalidade positiva, realista, prática, qual era a mentalidade romana. Os romanos, portanto, podem considerar-se quase naturalmente estóicos; pelo menos os romanos da idade imperial, que fazem parte da oposição e se apegam à liberdade espiritual do pensamento, aonde não pode chegar o poder exterior, jurídico, político, tendo renunciado a todo o resto. Não é de admirar, por conseguinte, - deixando na sombra as questões teoréticas - terem os estóicos romanos exercido uma função prática, moral, quase religiosa. Procurar-se-á um filósofo, como os cristãos procurarão um padre; toda grande casa terá um filósofo, como mais tarde terá o seu capelão. Sêneca e Epicteto pertencem a esta classe de diretores espirituais.

Entre os numerosos estóicos da idade imperial, apenas Sêneca, Musônio Rufo, Epicteto e Marco Aurélio - pertencentes ao primeiro e segundo século d.C. -, têm uma personalidade própria. E, entre estes, Sêneca é o maior como pensador, moralista e escritor epigramático.

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